Quando se fala em desenvolvimento organizacional, normalmente a atenção se volta para pessoas. Investe-se na formação gerencial para gerar mudança comportamental. Mas, o que falar a respeito das organizações? Em que medida um desenvolvimento organizacional efetivamente enxerga a organização? E como a organização afeta as relações?
Diversos autores parecem não concordar sobre o conceito organização. As organizações são descritas por meio de metáforas, tais como ‘brigadas, orquestras, máquinas, corpo humano’, etc. (1). Quando eles tentam definir organização, em geral citam processos, relações, questões de conflitos e política. Afinal, o que é uma organização, e o que dizer sobre desenvol- vimento organizacional ? Uma organização pode ser compreendida como algo que tem princípios próprios? Podemos apreendê-la e identificar algum padrão universal? Há respostas varia- das. No início dos anos 90, tivemos a bolha da reengenharia, que, como um cometa, fez cortes aqui e ali, diminuiu níveis, e desapareceu. Qual a aprendizagem que deixou? Talvez o medo de consultorias de reorganização?
O desenvolvimento organizacional em geral volta-se para as pessoas. Mudando as pessoas, melhoramos o desempenho organizacional. Ou, os conflitos organizacionais decorrem dos relacionamentos pessoais. Mas, onde entra a organização
Organização, gestão e pessoas
Elliott Jaques foi um dos pioneiros a compreender as ansiedades das pessoas no trabalho. Explicava que as organizações são estruturas que nos ajudam a nos defender contra nossas ansiedades, na medida em que temos formalidades, papéis definidos, objetivos claros. Ao longo dos seus estudos, trouxe novas reflexões,após ter abandonado a prática da psicanálise como ferramenta para o desenvolvimento organizacional.
Fundamentado em uma experiência de mais de 40 anos on-the-job, Jaques passou a afirmar que ‘grande parte dos problemas comportamentais em organizações são causados pelo sistema gerencial… Mudanças dramáticas no comportamento podem ser obtidas pelo alinhamento ou sintonia fina do sistema gerencial’ (1). Também descobriu que existe uma organização oriunda da natureza humana, ou seja, que as organizações são de alguma forma uma das expressões externas da maneira como os seres humanos procuram se organizar para conseguir resultados. Assim, Jaques constrói alguns conceitos:
Objetivos
Toda organização deve ter objetivos – chame-os como quiser, missão, sonho, visão. O objetivo é que, de fato, cria o sistema e isto é fundamental. Cada função, cada papel, terá tarefas definidas como atribuições para produzir outputs específicos dentro de um tempo de realização definido e com os recursos alocados para serem administrados de acordo com as políticas e os procedimentos. Como falar em objetivos sem definir o tempo de realização?
Como podemos falar de alcançar resultados sem os limites definidos de recursos e políticas? O sistema organizacional faz sentido a partir de horizontes temporais determinados!
Partes
Jaques afirma que para qualquer corporação podem ser identificados padrões recorrentes de camadas gerenciais ou estratos organizacionais, cujos limites são definidos pela complexidade do trabalho a ser conduzido.
Esta complexidade é medida pelo time-span (horizonte temporal) de um objetivo. Quando gerentes e liderados estão em funções adjacentes, respeitando-se as diferenças dos níveis de complexidade, o trabalho corre muito bem. Se ambos estão com funções no mesmo nível de complexidade, o liderado sentirá o seu gestor invadindo o seu espaço de trabalho. Se houver uma distância de um ou mais níveis entre eles, então o liderado poderá sentir que a comunicação com seu gestor está totalmente fora de sintonia.
Relacionamentos
Dois tipos: Vertical – de gerente e liderado – e horizontal – relacionamentos entre funções, que devem ser bem definidas. Essas relações deixam explícitas as responsabilidades e autoridades gerenciais, e definem os processos de liderança, isto é, o que será liderado e de que maneira. Esses relacionamentos são essenciais porque a chave para compreender como um sistema trabalha está não tanto em entender as partes em si, mas bem mais em entender as interações entre elas.
Processos
Horizontais; atravessam muitas funções na organização. Os processos condicionam o desempenho muito mais do que as pessoas que nele operam.
Desenvolvimento Organizacional
Toda organização precisa ter objetivos definidos no tempo. O modelo de Jaques define as organizações como estruturas de liderança gerencial, nas quais são delegadas aos gestores responsabilidades e autoridade para decidir sobre os recursos alocados para alcançar os objetivos, como também para delegar responsabilidades.
Ao falar de objetivos, perguntamos: qual o tamanho do projeto organizacional ? Qual a complexidade do projeto? E isto pode ser medido pelo horizonte temporal esperado para os resultados. O modelo Work Levels® define a estrutura desejada conforme os horizontes de tempo dos projetos.
A pergunta da ação do desenvolvimento organizacional é feita, primeiro, para a estrutura: temos, na estrutura atual, os níveis de complexidade alinhados conforme as expectativas do projeto organizacional? Segundo, para a relação entre os níveis: as responsabilidades e autonomia gerenciais correspondem aos níveis necessários?
Nossa experiência
Ao aplicarmos o modelo Work Levels®, é muito comum encontrar overlaps de responsabilidades. Considere, por exemplo, a estrutura de cinco níveis num organograma comercial comum de uma indústria: Presidente, Diretor de Marketing e Vendas, Gerente Nacional de Vendas, Gerente Regional, Supervisor e Vendedor. Somente aí vemos a existência de seis níveis organizacionais. Uma análise mais cuidadosa mostrará que provavelmente há alguns overlaps.
Se for uma organização internacional, a pergunta inicial é para a função do Presidente. Tipicamente, é o responsável pela Intenção Estratégica ? Provavelmente não. Se for uma multinacional, provavelmente sua autonomia de ação é menor, reduzida ou não correspondente a este nível. Estará com autonomia provavelmente equivalente ao que definimos como correspondente ao work level Desenvolvimento Estratégico. Em decorrência, temos aí a necessidade de quatro, e não de seis níveis.
Vamos avançar no propósito do desenvolvimento organizacional. Ainda falando em estrutura, o segundo aspecto são os relacionamentos. Se encontrarmos relações verticais desalinhadas, isto é, duas funções num mesmo nível de complexidade (no exemplo acima, situação provável nas diversas relações). Os problemas chamados comportamentais daí decorrentes podem ser inúmeros.
Um deles são as queixas sobre a liderança, que pode não delegar tanto quanto se gostaria. Mas como delegar mais se a função de um gerente está quase equivalente ao de seu gerente-liderado? Delegar mais o quê? Aquilo que ele mesmo faria? Ou problemas de comunicação e participação nas decisões. Ou problemas de frustração, por falta de espaço, ou por falta de autonomia. Ou conflitos maiores, decorrendo queixas quanto ao uso exagerado do poder, ou excesso de hierarquia nas relações.
Ao se focar o desenvolvimento organizacional nas pessoas, nesses casos, vamos obter apenas amenizações. Pode-se mostrar como as pessoas são distintas, como têm tipologias próprias, como lidam de modo diferente com os conflitos. Ameniza a situação, mas não vai ao cerne da questão.
Alinhando-se a estrutura, mudam-se os comportamentos. Deveria ser algo óbvio. Se a responsabilidade do gestor está um nível de complexidade acima, então ambos terão trabalhos diferenciados a conduzir, autonomias e espaços diferentes e ações complementares em termos de objetivos, já que as metas do gestor serão muito mais amplas no horizonte temporal. Daí a possibilidade de congruência e complementaridade. Obviamente, também, isto não garante as habilidades de um gestor.
Aqui o foco na pessoa fará sentido. Mas só neste momento.
ponto complementar desse raciocínio é a questão do talento humano e seu estado de harmonia entre sua capacidade e a complexidade do seu trabalho. Conforme o artigo ‘Coaching ou Counselig? Uma Leitura Sistêmica’, publicado na edição anterior da revista, se uma pessoa está com sua capacidade acima ou abaixo do desafio, provavelmente terá problemas de desempenho. Seja por uma atitude desleixada, imatura ou ansiosa, ou por decisões adiadas, ou por não conseguir enxergar desdobramentos à frente, trazendo estresse para as relações, acumulando sentimento de baixa auto-estima se isto se prolongar, acarretando sofrimentos mútuos – para a pessoa e para a organização.
A análise do potencial é fundamental para uma intervenção junto às pessoas. O modelo Work Levels ® entende potencial humano exatamente como a capacidade individual de lidar com a complexidade, isto é, de lidar com as condições de ambigüidade e incerteza inerentes a cada função nos diferentes níveis definidos. Lidar com a complexidade não é uma questão de personalidade, de estilo ou tipo psicológico. Envolve ser capaz de manejar incertezas, de antecipar problemas no tempo, de ser capaz de imaginar caminhos, muitas vezes complexas tramas, considerando variáveis que mudam, se alteram, se transformam, ou mesmo desconhecidas, sempre num determinado horizonte de tempo. Aqui as coisas se juntam. Os objetivos organizacionais repercutem na estrutura na forma de responsabilidades, autoridade e autonomia, mas a consecução dos objetivos depende da capacidade das pessoas de estarem corretamente alocadas em funções que correspondem à sua capacidade. Desta maneira, a gestão do Talent Pool® da organização é parte inerente em qualquer ação de desenvolvimento organizacional.
Nosso modelo de trabalho
Quando falamos de desenvolvimento organizacional queremos significar uma ação que envolve, pelo menos, três grandes dimensões que devem ser consideradas sistemicamente. Por onde começar as perguntas? Seja por onde for, você precisa considerar que estas três dimensões estão sempre em jogo. E seu conhecimento deve ser amplo a respeito de cada uma, por constituírem a essência do trabalho de desenvolvimento organizacional.
Organizações envolvem estruturas. É insuficiente olhar para as estruturas em seus aspectos de processos e função gerencial de forma isolada. É insuficiente olhar para as metas se não estiverem alinhadas aos projetos de cada nível. E ainda se em cada nível não houver as competências necessárias e suficientes para dar andamento à complexidade dos projetos. Não adianta olhar as relações entre as pessoas, nos grupos, se isto não estiver contextualizado numa dimensão mais ampla de significados do por que e para que certos trabalhos devem ser feitos e realizados, e …. para quando.
Referências
1. MORGAN, G; Imagens da Organização.São Paulo: Ed. Atlas, 1996.
2. JAQUES, E. Requisite Organization. EUA: CasonHall Publishers. 1997
Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.