Qualquer teoria para atingir um status científico deve submeter-se as provas experimentais e ser refutável, substituível ou aprimorada. Esta tem sido uma concepção predominante no século XX. Lembro-me disto todas as vezes que me perguntam sobre o caráter científico da grafologia (consulte programa na pág. 11). A grafologia não é uma ciência, é uma técnica de avaliação da expressão individual através do grafismo. Toda técnica tem, por definição, limitações em relação à totalidade do objeto que suporta a sua intervenção, por isso, a análise grafológica não é, nem nunca vai ser, um instrumento de total infalibilidade. A validade que se refere ao fato de que uma técnica analise de fato o que se propõe avaliar, a expressão individual de quem escreve; e a confiabilidade em relação à exatidão e objetividade com que o faz, atestam a análise grafológica, sempre que realizada por especialistas, uma maior porcentagem de acerto nos dados obtidos. Estes resultados são confirmados ou não nas entrevistas de devolutiva e por meio da informação dos profissionais de seleção que utilizam este tipo de instrumento. Por exemplo, no Rorschach chega-se a uma precisão de 90%, na grafologia em torno de 80 a 85%.
Com o desenvolvimento de pesquisas e assimilação deste instrumento como válido para investigação do ser humano, a grafologia ganhou status de cadeira universitária, na Argentina, Alemanha, França, algo que conta pontos a favor sugere a sua confiabilidade, sendo que na França foi declarada serviço de utilidade pública e lá se exige uma formação reconhecida pelo governo para o exercício da profissão.
A grafologia pretende abordar as características da expressão individual que estão projetadas na escrita, seus aspectos lógicos e psicológicos. A partir disso, fazer previsões acerca do comportamento de quem escreve, não visando determinar com total exatidão aquilo que uma pessoa vai fazer em determinado momento, mesmo porque esta seria uma expectativa de uma ciência exata, o que não é o caso da grafologia, uma vez que se considera uma área de humanidades, cujo objeto do estudo é influenciado de uma forma sensível pelas mudanças geradas no ambiente, tanto interno quanto externo. Por isso, seria interessante considerar a grafologia mais uma técnica que se baseia em probabilidades para fornecer seus resultados, distanciando-se das ‘coordenadas cartesianas’, das causas e efeitos diretamente correspondentes na explicação do dinamismo humano.
O foco da análise é explicitar como as variações dos sinais refletidos na escrita podem interferir no funcionamento de um indivíduo, a partir destas deduzir quais são as repercussões que estas podem gerar no ambiente, sem entrar na discussão do ‘estrutural/situacional’, a qual já foi abandonada a bastante tempo, não sendo do interesse deste estudo retomar este tema – pura perda de tempo – uma vez que é impossível conceber uma característica situacional que não esteja fundada em uma estrutura ou uma estrutura que não tenha uma manifestação situacional, inclusive isto já foi mais que ressaltado por Lorenz em seu livro ‘Princípios da Etologia’.
E como se estrutura a hipótese da viabilidade de um estudo da expressão individual com base na grafologia?
Parte-se do princípio de que toda escrita segue um modelo ou afasta-se do mesmo, tornando a escrita mais legível e fluente ou não. Quando crianças somos submetidos a determinadas regras de escrita, e embora os tipos de orientação pedagógica no período de alfabetização possa mudar, é pouco provável que à criança seja permitida adotar qualquer forma de expressão, como um rabisco adquirir um significado geral e este servir como foco de sua comunicação, inclusive porque o objetivo principal da escrita é tornar claro aquilo que está sendo impresso no papel. Em um primeiro momento a escrita nada mais é do que uma cópia, a qual a criança tem de se esforçar sobremaneira para realizar, posteriormente pode chegar a refletir o próprio pensamento acerca do mundo.
Se aceitamos o pressuposto de que aprendemos um modelo, que este é considerado satisfatório em cumprir a sua missão de comunicar, de tornar claro a expressão decorrente do trabalho mental, o que é reforçado pelo ambiente, o que faz com que as pessoas tenham escritas diferentes? Por que surge a necessidade de escrever diferente do modelo?
O aperfeiçoamento motor dos indivíduos não ocorre da mesma forma e nem ao mesmo tempo, até porque este depende da freqüência da estimulação e do aparato biológico que interferem na formação da escrita infantil. Entretanto, somente isto não basta para estabelecer as causas das diferenças porque o plano psicológico e social também contribuem para que estas modificações sejam introduzidas na escrita. É provável que as pessoas que desenvolvem o hábito da escrita mais cedo, que estão submetidas a um ambiente que valoriza a cultura e a expressão original, cheguem primeiro a consolidação dos mecanismos da escrita. Da mesma forma, as crianças que são submetidas às privações afetivas ou orgânicas tenham o desenvolvimento de sua expressão individual lento ou carreguem características que podem ser foco de desequilíbrio ao longo do tempo.
A maioria das pessoas teve, de alguma maneira, um modelo a partir do qual foram introduzidas modificações ou foi perpetuado com alterações pouco significativas em sua estrutura. Todos têm uma organização mental e motora que se reflete na escrita, e isto quem diz não são os grafólogos que tentam justificar a sua ciência de uma forma tendenciosa, mas Ajuriaguerra, que discute o desenvolvimento da escrita em seu livro ‘A escrita Infantil, Evolução e Dificuldades’, abordando sobre a necessidade de pesquisar as características psicológicas das crianças pertencentes a grupos que apresentam síndromes gráficas, as quais classificou como rígidos, com grafismo fraco, impulsivos, inábeis, lentos e estruturados. Nestes últimos, verificou que estas características se encontram mais visíveis no exame psicológico; lentidão nos testes de rapidez mas precisão nas provas, interpretação que pode ser obtida também através do exame grafológico como pode ser verificado em qualquer manual de grafologia.
Percebe-se um conjunto de características próprias que distinguam um indivíduo dos outros de uma mesma espécie, ou de outros membros da mesma sociedade. Em particular, quando se trata dos homens, a busca de originalidade, de não conformismo, nota-se a tentativa de dar uma forma própria a escrita sem que a mesma perca a sua legibilidade e resulte em apenas uma expressão egocêntrica. Este fenômeno é claramente explicitado quando da necessidade de se elaborar a primeira assinatura. Mas é importante dizer que esta busca tem de caracterizar-se pela legitimidade e não somente por um discurso que não encontra uma práxis na realidade. A conclusão surge então bastante óbvia: é a procura de uma expressão individualizada, que reflita de uma forma inequívoca as características da pessoa que faz com que a escrita sofra as suas transformações e gere uma identificação com a nova forma de expressão, assim como, um pintor com a sua tela.
Diz Piaget: ‘Comparado a uma criança, o adolescente é um indivíduo que constrói sistemas e ‘teorias’. A criança não constrói sistemas, ela os têm inconscientemente ou precons-cientemente, no sentido de que estes são informuláveis ou informula-dos, e de que apenas o observador exterior consegue compreendê-los, já que a criança não os ‘reflete’. Ou, melhor, pensa concretamente sobre cada problema à medida que a realidade os propõe, e não liga suas soluções por meio de teorias gerais, das quais se destacaria o princípio. Ao contrário, o que surpreende no adolescente é seu interesse por problemas inatuais, sua facilidade de elaborar teorias abstratas. Existem alguns que escrevem, que criam uma filosofia, uma política, ‘uma estética’. E conceitua que a expressão individual começa no final da infância, com a organização autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização e hierarquização moral das tendências, existindo propriamente quando se forma um ‘programa de vida’ funcionando este como fonte de disciplina para a vontade e como instrumento de cooperação social. Este plano, entretanto, supõe a intervenção do pensamento e da reflexão livres, que só se elabora quando certas condições intelectuais, como o pensamento formal ou hipotético-dedutivo, são preenchidas. É neste momento que surge para o indivíduo a possibilidade de criar seus modelos, é o momento em que existe a chance de se formular qualquer tipo de mundo. Finalmente, o indivíduo pode pensar acerca de seus próprios padrões e dar forma para uma expressão autônoma.
Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.