São mais de 30 anos de uso do termo Consultoria Interna de Recursos Humanos (CI). Em 2001, escrevi um artigo sobre o assunto e percebo, ainda hoje, que os mesmos temas de 14 anos atrás permanecem atuais.
Um dos maiores dilemas da Consultoria Interna continua sendo como representar na organização um papel que a identifique como “mais estratégica” ou “menos operacional”. Para lidarmos com esse dilema, precisamos perguntar: Como superar a dicotomia de cliente cativo versus cliente demandante?
A formação da Consultoria Interna sempre esteve envolvida pelo foco, às vezes parcial, de identificar quais são ou deveriam ser as competências do Consultor Interno ou Business Partner (termo que hoje podemos usar de forma intercambiável). Inúmeras competências são citadas como parte do perfil ideal: Visão de negócios, poder de influência, diagnóstico e planejamento, gestão de projetos, comunicação, team buliding, gestão de conflitos, enfim, a lista se estende.
Mas, se focarmos isoladamente no profissional da Consultoria Interna de RH, não resolveremos o problema. Na verdade, muitos profissionais que recebem o título de Consultor Interno acabam lidando com situações mais ou menos imediatas, transferidas por seus clientes, tais como selecionar em curtíssimo prazo, organizar treinamentos, rever um posicionamento salarial, adequar um plano de benefícios ou mesmo lidar com um funcionário difícil. Sem dúvida, isso é muito pouco para ocupar o tempo e a capacidade desses profissionais.
Sabemos que a função de RH das organizações quer formar Consultores Internos ou Business Partners para atuarem de “forma estratégica”. Contudo, convém, antes de mais nada, se informar sobre o tipo de organização que está lhe propondo o trabalho. A pergunta é: “Onde está seu objetivo estratégico?” Há que se olhar para a organização e, dentro dela, identificar as possibilidades do papel.
Entendendo a organização
Para cultivar o estratégico é necessário entender a organização. Para construir esse contexto, utilizo as idéias de Elliott Jaques:
Organizações são sistemas gerenciais que empregam a capacidade das pessoas para produzir julgamentos e alcançar resultados.
— Elliott Jaques
Ele destaca – na verdade nos lembra – que estamos falando de hierarquias de emprego(independente da natureza desse vínculo), cuja competência é a gestão. Portanto, o cliente é o gerente, pois é ele quem assumirá responsabilidades para alcançar resultados com recursos delimitados e tempos definidos. Um dos recursos disponíveis ao gerente é a capacidade das pessoas que estarão sob sua liderança. Nisso não podemos nos enganar. Uma organização define seus gestores como responsáveis por resultados.
Então, o que é um gerente?
Segundo Jaques, gerente “é a pessoa responsável pela produção de resultados, por levar adiante uma equipe capaz de obter essa produção e oferecer uma liderança eficaz”. O gerente, em suma, deve ser capaz de agregar valor ao trabalho de seus liderados. Acontece que, à medida que se sobe na hierarquia, aumenta-se a imprecisão com relação a quem pode ser responsabilizado por quem. Nas relações hierárquicas gerenciais, o maior incômodo, a maior limitação à criatividade e o maior bloqueio ao entusiasmo está em não se saber quem é o responsável pelo trabalho, quem lidera as ações, quem dá os contextos inspiradores.
Se você quer que seus gerentes, em todos os níveis organizacionais, sejam responsabilizados pelo que seus liderados produzam, você deve se assegurar de que eles não apenas possuam autoridades mínimas, como também tenham sido treinados e saibam como aplicá-las. Em linhas gerais, todo gerente deve liderar o trabalho de sua equipe e ter autoridade suficiente para compô-la. Se um gerente é responsável pelo trabalho de sua equipe, é inaceitável, por exemplo, que qualquer funcionário seja imposto a este gerente como parte de sua equipe.
As autoridades mínimas de um gerente em relação a seu pessoal são:
- Vetar qualquer nova designação: os gerentes não devem ser obrigados contratar quem quer que seja e não devem aceitar ter sob seu comando alguém que não reconhecem como capaz de agregar valor
- Decidir os tipos de atribuição de trabalho: os gerentes, e somente eles, devem designar quais atribuições ou tarefas seus liderados deverão conduzir
- Decidir a avaliação da eficácia: o gerente, e somente ele, é quem tem condições de julgar a eficácia (e de fazer a avaliação) de seus liderados e determinar qualquer revisão dos méritos. Se o gerente tem apenas autoridade para recomendar, ele terá “dado com os ombros” e transferido essa responsabilidade para outro
- Decidir a remoção de alguém: o gerente não precisa de autorização para afastar alguém de sua equipe, se necessário, respeitadas as políticas da organização
Noto que, ainda hoje, poucas empresas podem responder positivamente quando indagadas se seus gerentes têm as autoridades mínimas elencadas acima. A ausência dessa definição de papel é uma das barreiras – senão a barreira – para a construção de uma relação de cliente demandante entre gerentes e RH. A organização e sua liderança principal devem ter clareza do que espera do gerente – como um código – e com base nele, o profissional deve ser preparado. Se não estiver pronto, deve demandar serviços. A atividade de RH passa a ser também uma atividade de educação gerencial nas competências relativas à gestão de pessoas.
E quais são as autoridades da consultoria interna de RH ou dos business partners?
Conforme argumentamos acima, para que um gerente possa ser responsabilizado pelosoutputs de seus liderados, precisará ter algumas autoridades mínimas bem definidas. As responsabilidades (accountabilities) devem guardar uma relação de equilíbrio direto com as autoridades.
E como isso afeta o papel de RH? Dificuldades em responder às poucas perguntas adiante mostrarão exatamente porque existem algumas frustrações no exercício do papel de consultor interno ou business partner. Vejamos:
- Quais as entregas pelas quais o seu cargo ou função está sendo formalmente responsabilizada?
- Quais os indicadores de performance assumidos e como eles são compartilhados com seus clientes internos?
- Quais as áreas de resultados para as quais o consultor deve privilegiar sua atenção?
Para que essas responsabilidades sejam “descarregadas” no ambiente, a função de RH e o Consultor Interno ou Business Partner também precisam de autoridades. Numa hierarquia de emprego a competência fundamental é a gestão; e o RH, por essa perspectiva, deve atuar como uma função que disponibiliza práticas e sistemas para que o líder gerencial desenvolva e tenha acesso aos recursos necessários para uma gestão efetiva e para entregar resultados por meio de suas equipes.
Os recursos a serem disponibilizados pelo RH são muitos: educação corporativa, processos de gestão do desempenho e avaliação de performance, processos de seleção, remuneração, gestão da capacidade potencial, novos entrantes e processos de capacitação. E, além disso, deveria incluir o acompanhamento do gestor em suas dificuldades, clima e ambiente de trabalho, dentre outros.
Se a responsabilidade do Business Partner é o aconselhamento ao gerente sobre questões relacionadas à prática gerencial. Também sabemos que, sem clareza com relação às autoridades do Consultor Interno, há um claro risco de “despersonalização” do seu papel. Também é fundamental, não apenas para o RH enquanto função mas também para os Business Partners, que as autoridades específicas estejam definidas e reconhecidas pelas interfaces. Teria o Consultor Interno…
- Autoridade de auditoria?
- Autoridade de consultoria?
- Autoridade de monitoramento?
- Autoridade de veto?
Acredito que as autoridades centram-se, principalmente, no acesso à informação relacionadas à unidade para a qual se presta a consultoria, no acesso ao gerente responsável para influenciá-lo e aconselhá-lo, e no acesso aos recursos necessários para levar adiante seu trabalho. A conclusão lógica é que a autoridade do Business Partner está diretamente relacionada ao seu próprio poder de influência e à qualidade do aconselhamento e serviços que presta.
Contudo, há que se considerar que essas autoridades devem ser reconhecidas formalmente no ambiente de trabalho. Isto é, um gestor pode aceitar ou não o aconselhamento e as orientações do Business Partner, porém deve saber que assumirá as consequências. Penso que exatamente aqui, na questão da autoridade e reconhecimento dela, é que se passa a construir de fato uma relação centrada nas competências do Consultor Interno que, por sua vez, se preparará para atuar com uma orientação predominante dirigida à performance: a sua própria e a do sistema ao qual presta assessoria. Um exemplo controverso disso é o coaching. Coaching deve ser uma responsabilidade indelegável do gestor. Se o gestor não se sente preparado para tal, deve aprender. É inerente ao papel do gerente apoiar e o desenvolvimento de seus liderados.
Posicionamento estratégico
Para Jaques, uma unidade de negócios completa possui cinco níveis hierárquicos máximos e necessários para a condução do negócio (os sexto e sétimo níveis caracterizam grandes corporações). Na figura abaixo, no Nível V (Work Level® 5 ou WL-V) está o responsável pelos lucros e perdas da unidade de negócios e sua intenção estratégica. No Nível IV estão os responsáveis pelo desenvolvimento estratégico, inovação e definição de políticas e modelos organizacionais. Nesse nível está (ou deveria estar) o RH, que deve assumir no mínimo as seguintes atribuições:
- Desenvolver e implementar políticas e práticas de RH e gestão que terão um papel essencial na realização da intenção estratégica da unidade de negócios (tipicamente 5 a 10 anos à frete)
- Relacionar-se com seus pares para recomendar, influenciar e garantir a implementação e continuidade das práticas de RH e gestão necessárias
- Fornecer recursos e gerenciar as práticas de gestão existentes, integrando-as com novas práticas e encerrando aquelas que não serão mais adequadas ou produtivas
- Desenvolver os requerimentos de pessoal da unidade de negócios em um plano de 5-10 anos, para garantir que os recursos humanos necessários estejam disponíveis (gestão do Talent Pool®)
- Controlar e acompanhar o desenvolvimento da reserva de talentos da unidade de negócios, garantindo a existência de um plano de sucessão
- Desenvolver e integrar os processos de RH: avaliação de eficácia pessoal, capacitação, análise de potencial, tutoria, sistemas de remuneração, relações gerenciais, entre outros
- Garantir alinhamento de práticas de desenvolvimento com outras unidades de negócios, quando se tratar de corporações
- Recomendar políticas que possam fortalecer a eficácia da liderança da unidade de negócios e promover um clima produtivo
- Assessorar o CEO sobre a competência técnica e potencial dos profissionais do Nível III – no qual estão os futuros sucessores estratégicos que poderão trabalhar com a presidência
Assessoria de performance
No Nível IV, o responsável por RH (no exemplo, o Diretor de RH) colabora com outros Diretores com o objetivo de manter a gestão e a liderança inseridas na política de RH. Esse amplo escopo gera as possibilidades concretas da ação de uma Consultoria Interna de RH (ou Business Partners) o Nível III. Os consultores internos/business partners colaboram com os gerentes gerais na análise e planejamento dos requerimentos e desenvolvimentos vinculados com os profissionais nas fábricas, filiais e/ou departamentos. Essa assistência envolverá:
- Planejamento das mudanças organizacionais requeridas pelo fluxo de trabalho ou tecnologia de produção
- Planos para recrutamento, capacitação, transferência ou redução de pessoal a fim de satisfazer os requerimentos mutáveis neste escopo (projetos que consideram entre um e dois anos futuros)
- Supervisão e coordenação das práticas de RH dos gerentes/pares do Nível III, e da repercussão de tais práticas no clima social e nas relações com os sindicatos
- Manutenção do contato com especialistas de RH da unidade de negócio com relação às políticas da corporação sobre os recursos humanos
- Supervisão do clima social da fábrica, filial ou departamento, e recomendação de qualquer mudança de políticas ou práticas para melhorar o clima organizacional
O papel do Consultor Interno ou Business Partner deve ser sempre sistêmico, atuando junto aos gestores do Nível III, que são seus pares, conciliando as metas estratégicas da sua unidade de assessoria (Nível IV). A CI é uma assessoria de performance. As atividades de Nível II nessa estrutura não se caracterizam como de consultoria, pois são tarefas especializadas, que podem ser subcontratadas ou conduzidas por especialistas em situações típicas.
Conclusões
Antes de focar as competências do profissional da consultoria interna de RH (ou, Business Partner), é necessário olhar para a organização, dando ao RH um posicionamento sobre a produção de estratégias e a clareza de que o cliente é o gestor e de que a sua formação inclui prepará-lo para tomar decisões relativas às pessoas. Assim consigo vislumbrar a possibilidade de um salto qualitativo de cliente cativo (obediente às regras e aos procedimentos de RH) para cliente demandante (desejoso por habilidades de gestão de pessoas) – o que passa pela definição clara da autoridade.
O gestor deve sentir que a empresa nutre expectativas objetivas com relação ao seu papel e perceber o empenho das áreas de apoio em ajudá-lo. O gestor deve ainda estar ciente de sua responsabilidade e compreender a que distância está de possuir a competência necessária. A partir daí, a Consultoria Interna pode acompanhar sua evolução dentro dos princípios e valores da organização. Do ponto de vista das competências do Business Partner, sua atuação em campo exige a compreensão prática de todos os tipos de trabalho, assim como a compreensão teórica e prática das organizações como sistemas complexos de trabalho, e da maneira pela qual a capacidade humana se expressa dentro das organizações – crescimento da capacidade e aprendizagem. Não existe atualmente outro modelo que integre esses domínios conceituais e práticos de modo mais consistente do que os conceitos do Work Levels®. Aquelas competências do tipo mais soft, como negociar, desenvolver equipes (atributos gerenciais), lidar com conflitos, trabalhar com grupos, são necessidades pontuais e específicas, que variam de acordo com a cultura da organização, e com a consciência interna da dinâmica dos papéis profissionais, mas que são muito mais simples de se adquirir ou praticar.