Capacidade, Contexto, Estrutura, Liderança

Posicionamento e capacidade de influência do RH no desenvolvimento dos negócios

Queremos refletir sobre o papel do RH com ou sem crise econômica, deixando de lado a questão do RH ser ou não estratégico e focalizando naquilo que nos parece ser essencial e atemporal: o RH influenciando o desenvolvimento de negócios.

Talvez você já tenha ouvido uma frase assemelhada a essa: “aqui na empresa só existem dois tipos de pessoas, as que vendem e as que ajudam a vender”. É uma forma de dizer que as organizações têm propósitos claros e as distintas contribuições das pessoas nos diversos papéis e áreas funcionais, precisam convergir para ele.

Pensemos agora no posicionamento do RH como função dentro da organização. Um dos critérios que utilizamos para compreender esse posicionamento é o de avaliar quais perguntas vêm da alta direção para RH. Isto é, se você está em tal função, que perguntas seu presidente ou diretores fazem para você? Do outro lado, que perguntas os profissionais de RH gostariam que lhes fossem feitas? Cremos que a natureza das perguntas de um lado e de outro dão um claro significado de como a função de Recursos Humanos é percebida em sua organização. Ou seja, a função é vista como parte do desenvolvimento do negócio, do valor a ser agregado para o futuro ou é parte dos sistemas e processos de controle da gestão do presente? E claro, o quanto os profissionais que lideram o RH se sentem preparados para responder a tais questões e mostrar convicção de onde podem agregar valor?

Outra forma de compreender esse posicionamento é mensurar o quanto sua organização está buscando externamente o apoio de outros especialistas para responder algumas perguntas:

  • Se o momento é de crise, onde encontrar apoio?
  • Se a questão é de revisão dos negócios, onde encontrar aconselhamento?
  • Se a questão é de revisão do modelo organizacional e de gestão, onde encontrar orientação?

Qualquer que fosse a pergunta, o RH seria considerado e estaria presente na maneira COMO estas perguntas seriam respondidas?

Essa reflexão foca COMO o RH pode EFETIVAMENTE agregar valor para o futuro nas organizações e nos negócios.

E pensando em grandes contribuições, olhamos para três dimensões que aparentemente estariam sob a liderança e influência de Recursos Humanos:

  • Estrutura organizacional
  • Desenvolvimento organizacional
  • Desenvolvimento das pessoas (ou dos recursos humanos, se preferir essa expressão)

Estrutura organizacional

Este tema é do domínio de RH? Ou seja, Recursos Humanos compreende que estrutura organizacional se refere ao “esqueleto”, ao desenho organizacional de suas funções alinhadas ao propósito estratégico de longo prazo? E se entende, como se aplica nisso?

Afirmamos que é o tipo de complexidade, ou seja, o tamanho do propósito da organização que define a estrutura requerida para viabilizá-lo. Esta reflexão é válida tanto para definir o propósito estratégico, quanto para redefini-lo.

Em momentos onde as empresas vivem turbulência e crises, que geralmente não se limitam a curtíssimos períodos, são consideradas políticas competitivas, revoluções em funções estratégicas, desbravamentos de caminhos não trilhados e PARA ONDE serão destinados os recursos, quase sempre escassos, da organização.

Nesse contexto o RH é candidato a cortes ou a investimentos? E quando saberá da decisão? Se as reflexões e aconselhamentos vierem “de fora”, então Recursos Humanos deixou de fazer parte do desenvolvimento dos negócios. Se as reflexões vierem “de dentro”, então há uma possibilidade de participação e influência nas decisões. Ou seja, qual a oportunidade efetiva de contribuição de Recursos Humanos?

Os momentos de crises requerem ainda mais foco em um desenho de estrutura que favoreça altos níveis de produtividade e eficiência dos recursos internos.

No caso de RH, isso se aplica na relação entre as pessoas, e entre as pessoas e seus trabalhos. Falamos das relações, e não dos domínios específicos de conhecimento de cada área funcional (finanças, vendas, logística, produção etc.). Falamos ainda, das ações possíveis neste domínio da conversação sobre desenvolvimento dos negócios e estrutura organizacional.

O específico para Recursos Humanos é que possua e ofereça o conhecimento para que os principais decisores da organização façam uma reflexão fundamentada sobre a relação entre o propósito e a estrutura necessária. Em termos ótimos, cada negócio operará em um determinado nível de complexidade no modo como encara e estabelece sua relação com o ambiente externo; isto é, o grau de ambição que tem em relação ao mercado aberto, o grau de protagonismo que quer ter junto a clientes, o grau de inovação que procura desenvolver etc.

O desenho da estrutura deve refletir estas ambições. E há um modelo conceitual que oferece fundamentos para tanto. O modelo Work Levels® oferece exatamente esta possibilidade de conversação entre propósito e desenho estrutural com a mediação de RH. Também é parte deste estágio de reflexão os princípios maiores que nortearão o ‘funcionamento’ da organização. Um exemplo é a meritocracia. Muitas empresas afirmam funcionar assim, meritocraticamente. Mas, com uma análise mais aprofundada, você notará que as práticas e sistemas adotados não refletem exatamente este princípio. E Isso nos leva a uma reflexão sobre accountabilities e authorities.

Numa tradução livre e breve explicação, falamos aqui da prestação de contas que um ocupante de cargo é chamado a prestar e as autoridades que ele possui, para executar o seu trabalho.

Reforçamos que estamos falando de importantes aspectos no desenho de um cargo, dentro de uma estrutura alinhada com a estratégia. E um propósito estratégico típico olhará PARA O HOJE e PARA COMO as condições de hoje estão ou deveriam estar sintonizadas com as condições futuras (5 a 10 anos à frente). Essas duas qualidades requerem aprofundamento porque despertarão atenção sobre aspectos importantíssimos tais como confiança mútua, autonomia, uso da iniciativa e alcance de desempenho além das expectativas. 

É nesse estágio que as reflexões sobre a capacidade potencial existente na organização ganharão peso e importância, visando mensurar se existe capacidade potencial instalada para dar respostas aos desafios atuais e aos que virão.

Novamente, quais perguntas estão sendo formuladas para Recursos Humanos? E quais têm sido as respostas?

Desenvolvimento organizacional

Aqui estamos falando do que decorre direta ou indiretamente da ESTRUTURA EXISTENTE. E já sabemos, é melhor que ela seja exatamente aquela que é requerida pelo propósito estratégico.

O desenvolvimento organizacional deve colocar sua atenção nas práticas e sistemas que sustentam as relações entre as pessoas, e entre as pessoas e seus trabalhos.

Ele deve garantir que os princípios gerais, políticas e valores estejam devidamente presentes em sistemas de gestão por meio dos quais as pessoas perceberão coerência nas diferentes práticas organizacionais. São nessas práticas que, por exemplo, “veremos” a realidade da meritocracia, a coerência da liderança gerencial, os sistemas de comunicação e decisão.

Consequentemente, reforçando a essência desse podcast, a função Recursos Humanos pode ser aquilatada em sua contribuição ao desenvolvimento organizacional, pelo tipo de prestação de contas e pelas autoridades correlatas que lhe são atribuídas e pelo grau de reconhecimento interno com relação ao uso efetivo de tais autoridades. Sem tal clareza de prestação de contas e autoridades e sendo reconhecido exclusivamente por suas interfaces internas, Recursos Humanos continuará sofrendo de crise de identidade e sua contribuição para o desenvolvimento dos negócios não será percebida como coerente e sintonizada com o propósito. 

Desenvolvimento das pessoas, ou dos recursos humanos 

Os investimentos em tempos de crise se tornam escassos. Mas há alguns princípios que por si só ajudam a gerar efeitos no desenvolvimento das pessoas. Elliott Jaques nos ensinou que “mudando a estrutura mudam-se os comportamentos”. Exemplificamos que combinando-se o desenho (ou redesenho) organizacional com princípios meritocráticos, e com clareza de prestação de contas e autoridades, esse novo ambiente mobilizará os recursos (latentes) das pessoas.

O entendimento sobre a natureza humana e trabalho aqui aplicado é bem simples: as pessoas buscam realizar seu potencial num trabalho que lhes seja significativo. São poucos os que querem ser CEOs, mas ninguém quer ver suas capacidades subaproveitadas e sem espaço para mostrar seu potencial de realização.

Essas crenças estão presentes nos sistemas que são praticados?

Daí decorre um segundo princípio que é o desenhar funções onde as pessoas possam experimentar flow. Dito de maneira simples, flow representa uma atitude energizada, intrinsecamente motivada e voltada a realizar, que emerge quando os desafios exigem o melhor de nossas capacidades, num trabalho que valorizamos fazer. Coloque as pessoas em flow e novos resultados aparecerão!

Sendo assim,

é ponto de atenção de Recursos Humanos o conhecimento da capacidade potencial das pessoas, para que possam aplicá-las de forma consistente, em FLOWE aqui não estamos falando do seu perfil comportamental ou tipo psicológico. Outro não menos importante é conhecer e promover as habilidades gerenciais para dirigir, guiar e trazer as pessoas para a governança das ações da área ou departamento.

Novamente, aqui, na identificação e transformação do potencial em desempenho, é possível observar o grau de coerência entre propósito, valores e sistemas de gestão.

E quanto ao treinamento?

Gestores capacitados e que valorizam pessoas conduzirão os próprios processos de coaching (o que é um accountability gerencial). Forme gestores como coaches, caso eles não saibam como fazer, e eles cuidarão do resto!

Finalmente, o que aparece em muitas empresas é que Recursos Humanos parece buscar agregar valor valendo-se do paradigma do “administrador” (como oposto às ciências das pessoas).

A etimologia da palavra talvez ajude a (re)encontrar um significado. Administração vem do latim “admnistratio, ónis”. Um dos significados é que se trata da ação de prestar ajuda. “Ad” vem de agregar, significa aproximação, como “addgregare” que significa “juntar todo o rebanho”. Assim, ao pensar em agregar valor pense: “em todas as ovelhas que compõem o rebanho chamado valor”.

Assim, RH poderia fugir da pura aplicação do termo “administração” como gestão, com o risco de repetir paradigmas puramente “administrativos”.

Mas, no caso de RH, gestão do que? As pessoas estão sob liderança dos gerentes.

Agora tomemos a palavra “manager” – separando “man” e “ager”. Teremos um significado tal como o homem que faz o outro crescer (ager). Então, o gerente é que “gera”, agrega valor ao crescimento das pessoas.

E Recursos Humanos precisa se ver com a prestação de contas e com autoridades formais e equivalentes para que a “ajuda” ou o “valor agregado” esteja na interface entre gestores e pessoas, atuando para que as práticas organizacionais sejam coerentes com o propósito e os requisitos da natureza humana no trabalho.

É nessa interface que as coisas acontecem, onde o propósito organizacional se realiza, onde as políticas são percebidas e os valores praticados.

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Complexidade, Contexto, Liderança

Os sete níveis do empreendedorismo nas start-ups

Empreendedorismo é a palavra da moda. Não se fala mais em criar um negócio que adicione valor à sociedade; fala-se em ser empreendedor; não basta ser empresário, há que se fundar uma start-up.

O lado positivo desta tendência – quer crer minha faceta mais otimista – é que existe uma crescente parcela da população disposta a assumir riscos. E isso, sem sombra de dúvidas, pode ser muito bom; para tanto, basta que os agentes que se beneficiarão dos upsides sejam os mesmos que sofrerão com os downsides.

Mas – agora deixando o otimismo um pouco de lado – a verdade é que a palavra empreendedorismo é usada quase como um mero sinônimo de “novas ideias” e “criatividade” ou com o sentido de “dar vida a novos produtos [1]” e “ganhar muito dinheiro”. Em casos mais extremos – impossível deixar de notar –, a palavra é usada para atrair jovens para palestras de autoajuda.

Apesar de todas as fantasias que circundam o “mundo dos empreendedores”, o sucesso de uma empresa sempre dependerá da interação entre o trabalho empreendedor e o trabalho executivo. Um não caminha sem o outro; na dúvida pergunte a um empresário – ele lhe ajudará a encontrar e a colocar os pingos nos is.

Mas qual, afinal, qual é a diferença entre os dois?

  • Trabalho empreendedor: identificar oportunidades para que as organizações adicionem valor às sociedades, satisfazendo alguma necessidade existente ou latente; promover o crescimento das organizações, levando a cabo as mudanças e investimentos necessários ou, até mesmo, começando-as do zero.
  • Trabalho executivo: gerenciar as organizações para que elas forneçam bens e serviços, cada vez melhores e de forma eficaz, às sociedades; promover melhorias em todas as atividades, sistemas de trabalho e relacionamentos que sejam necessários. [2]

Tendo em mãos uma definição clara do que constituí trabalho empreendedor e trabalho executivo, conclui-se que dizer que alguém é um empreendedor faz tanto sentido quanto dizer que outrem é um líder; ou seja, não faz sentido algum.

O exercício da liderança e do empreendedorismo não podem ser entendidos despegados de alguma função específica ou sem um mínimo de contexto. Por exemplo, toda pessoa que ocupa um cargo de gerência é, por definição, um líder. Afinal, um gerente é aquele que presta contas não apenas pela sua própria eficácia pessoal, mas também pelo resultado do trabalho dos seus subordinados. Mas, claro, nem todo líder é um gerente, já que o exercício da liderança também é inerente a outras funções, tais como a do presidente da república e a do brigadista de incêndio. Uma regra para a vida: se você perguntar para alguém o que faz da vida e ele responder que é um líder, desconfie.

O mesmo raciocínio é válido para o empreendedorismo. Não importa se você é um pequeno empresário ou o CEO de uma corporação multinacional; em ambos os casos você – independentemente de vontade ou vocação – tem que exercer o trabalho empreendedor e também o trabalho executivo e também a liderança. Empreendedor não é substantivo, é adjetivo (apesar do que os dicionários possam lhe dizer a respeito).

Enfim, agora que temos claro o que é empreendedorismo, podemos voltar nossa atenção para como ele se manifesta. A descrição de cada um dos sete níveis [3] foi pensada para trazer exemplos típicos de como o trabalho empreendedor pode se manifestar em start-ups; mas – agora você já sabe muito bem disso – o mesmo raciocínio se aplica a organizações já estabelecidas.

Nível 1

O foco do empreendedorismo neste nível é buscar formas não prescritas de realizar algo que foi especificado anteriormente. O foco está nas interfaces e na experiência que as pessoas têm com a organização. Pense num repositor de gôndolas num supermercado que, ao notar que um cliente não está encontrando o produto que procura, se oferece para ir até o fundo da loja para checar o estoque e encontrar o item procurado. Ou pense num programador, que ao perceber que a forma com a qual algumas linhas de código de um programa utilizado por milhões de pessoas foram escritas pode ser otimizada, reescreve-as para economizar capacidade de processamento e aumentar a performance para os usuários finais. Os atores nos exemplos em questão encontraram formas não prescritas de cumprir o propósito de “ter clientes satisfeitos” e “boa experiência de uso”, respectivamente. Às vezes chamamos isso de “ter capricho com o que se faz”.

O trabalho neste nível é, obviamente, de extrema importância, pois é aqui onde os clientes de fato experimentam e interagem com a organização; mas a criação de uma start-up – como um negócio de verdade –torna-se mesmo possível a partir do nível seguinte.

Nível 2

Neste nível, o empreendedorismo está em encontrar as melhores soluções para os problemas existentes. Pense num engenheiro de computação que percebe que o processo de agendar reuniões entre várias pessoas é lento e moroso; e, para otimizá-lo, usa seu conhecimento e habilidades para criar um aplicativo que automatiza todo o fluxo e evitando frustração e caixas de e-mail lotadas. Ou pense num estudante de doutorado alemão que, frustrado com o espaço que os arquivos de áudio ocupam no seu computador, percebe que pode desenvolver um mecanismo para compactá-los com perda mínima de qualidade e cria o que hoje conhecemos como MP3.

Fica claro que a concepção de muitos produtos e tecnologias que acabaram mudando a forma como trabalhamos e interagimos aconteceu neste nível. Grande parte das start-ups que se tornaram empresas de bilhões de dólares surgiram aqui. Apple, Google, Facebook e Uber são apenas alguns exemplos. Mas somente quando migram para o terceiro nível é que as start-ups começam mesmo a ganhar o mundo.

Nível 3

Neste nível, começamos a falar de miniorganizações: a start-up “deixa a garagem do fundador” e tem que se preocupar com outros aspectos do negócio além do próprio produto que, via de regra, motivou sua constituição. O foco passa a ser encontrar caminhos alternativos para que a organização cresça e alcance cada vez mais clientes ou usuários. Requer um plano para alcançar objetivos que estão um ou dois anos à frente e caminhos alternativos para alcança-los.

Percorrer esses caminhos acaba envolvendo outros focos que talvez estivessem num plano secundário, mas que agora são necessários para o sucesso e crescimento: a função de vendas e as funções de apoio à operação são exemplos notáveis. Uma start-up que migra com sucesso do nível 2 para o nível 3 consegue fazer com que seu propósito seja realizado e efetivamente transformado num negócio que tem forma e é (ou deveria ser) autossustentável.

Nível 4

Start-ups amadurecem para este nível quando passam a ter mais de uma forma por meio da qual realizam seus propósitos. Via de regra, isso significa que deixam de ser centradas num só produto (ou linha de produtos) para atuar de formas bastante diferentes. Lembra-se quando o Google deixou de ser apenas centrado em search e lançou o Gmail?

Mas, claro, o trabalho não é simplesmente lançar novas linhas de produtos. Estamos falando de olhar para fora, identificar mudanças e tendências (mercadológicas, tecnológicas ou sociais) e agir para que organização esteja em posição competitiva anos à frente. No Nível 3 bastava construir um caminho (ou caminho alternativos); neste quarto nível são necessários vários caminhos paralelos e interconectados para que se alcance o resultado desejado. É necessário julgar, de forma prática, se as novas iniciativas se encaixam com os grandes sistemas de trabalho existentes e promover as adaptações necessárias para que todos caminhem de maneira simultânea e coordenada.

Interessante notar que é o Nível 4 de organizações já estabelecidas que se encarrega – ou deveria se encarregar – de neutralizar a ameaça que as start-ups emergentes representam para seus negócios. Um dos exemplos mais infames é a IBM, que, na década de 1970, deixou de notar (ou de levar a sério) a ameaça que representavam os computadores pessoais. Ou as gigantescas concessionárias de telecomunicações e TV a cabo, que, mesmo tendo acesso abundante a capital, não conseguiram se posicionar para tirar proveito das tecnologias emergentes que colocariam em cheque seu modelo de negócios. Como resultado, hoje se encontram reduzidas a meras fornecedoras de infraestrutura de dados para as plataformas que se apoderaram do cliente final (Skype, Netflix, WhatsApp e YouTube são apenas a ponta do iceberg).

Nível 5

Empresas que alcançam este nível já não são mais start-ups. Chegaram aqui porque já obtiveram sucesso, criaram valor e angariaram clientes com algum produto que serviu como seu cartão de visitas; já cresceram, expandindo seu mercado potencial e tornando-se acessível para novos nichos ou geografias; e também já inovaram, no verdadeiro sentido da palavra, buscando novas formas de atender aos seus clientes e realizar seus propósitos. Neste nível, o trabalho é tão simples – e tão complexo – quanto sustentar o bem-estar da organização.

Empreender neste nível requer entender o negócio como um sistema complexo e navegar constantemente pelo ambiente em que ele está inserido para criar uma representação de como a organização deveria ser. O objetivo é assegurar seu sucesso e viabilidade – social e financeira – no longo-prazo (tipicamente cinco a 10 anos à frente). O empreendedorismo não está mais em apenas encontrar soluções, definir caminhos e integrar formas simultâneas de atuação; está, sim, em constantemente colocar em xeque, definir e redefinir o propósito da organização e fazer com que este propósito seja plenamente materializado em todos os seus níveis.

Aqui falamos do verdadeiro trabalho de um CEO; aquele que navega um ambiente formado por grandes grupos de stakeholders diversos e com interesses muitas vezes conflitantes entre si: acionistas, empregados, fornecedores, clientes, governos e reguladores. Os assuntos são propósito, viabilidade financeira, papel social, cultura organizacional, modelo de gestão etc. e o trabalho é fazer com que suas representações possam se materializar em todos os níveis do empreendimento. Entende-se que somente assim a organização prosperará.

Nível 6

Agora entramos no nível das corporações. Esqueça um negócio; o trabalho agora é monitorar e aumentar o valor de um portfólio de negócios autônomos e diversos entre si. Empreender requer entender contextos e antecipar grandes mudanças globais para proteger as unidades do portfólio. É preciso balancear o global e o local, e integrar valores institucionais com culturas específicas nas quais a organização está inserida. Requer uma representação sobre como grandes tendências se desenrolarão mundo afora e decisões sobre a criação ou compra de novos negócios (e também sobre a descontinuação ou venda de alguns deles). As decisões são tomadas agora e os resultados tornam-se tangíveis apenas 10 a 20 anos à frente.

Um exemplo recente e que ajuda a ilustrar a transição de uma organização do Nível 5 para o Nível 6 foi a criação da holding Alphabet. O trabalho no Nível 6 é proteger e alocar recursos para unidades de negócio completas, que têm propósitos tão diversos quanto criar hardware elegante para residências (Nest), tornar a medicina proativa ou invés de reativa (Verily), lutar contra o envelhecimento e estender a vida humana (Calico), revolucionar a vida urbana (Sidewalk Labs), além de – é claro – organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis (Google).

O empreendedorismo neste nível é navegar e criar um network de altíssimo nível para que se possa entender o que está acontecendo no mundo para alocar recursos entre negócios diversos, com propósitos diferentes, devendo, inclusive, ajudar CEOs no Nível 5 a reverem seus propósitos e direcionamentos estratégicos. Envolve criar e encerrar negócios e integrá-los numa representação coerente dos valores e forma de atuação de uma corporação.

Nível 7

Negócios e portfólios de negócios não são mais tão interessantes em si mesmos, mas podem ser um veículo para algo maior. O trabalho agora é criar novos valores para sociedades e para futuras gerações. Os resultados estão mais de 20 anos à frente e há a aceitação de que talvez não seja possível ver o fruto do próprio trabalho; o valor está sendo criado para futuras gerações que ainda estão por vir. “Como levar a cabo mudanças que garantirão a sobrevivência dos valores ocidentais para gerações que ainda não nasceram”? “Como promover um modelo organizacional que revolucionará a confiança institucional e o bem-estar das sociedades”? São perguntas deste tipo que têm de ser respondidas neste nível.

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Espero ter deixado claro que o trabalho empreendedor tem facetas muito diferentes e que são pouquíssimas as pessoas que têm ou em algum momento terão a capacidade de trabalhar nos níveis mais altos que descrevi acima. O empreendedorismo para um recém-graduado buscando uma ideia inovadora que justifique a criação de uma empresa significa algo muito diferente do que o empreendedorismo para o CEO de uma empresa que fatura alguns bilhões de dólares. Empreendedorismo não é apenas um “estilo de vida” ou uma “ideia agradável”; é algo que requer trabalho duro e, cada vez mais, tolerância à incerteza.

Notas:

[1 ] Uso a palavra produto para me referir a qualquer bem ou serviço oferecido para a sociedade; [2] Esta é uma das ideias centrais que Nassim Nicholas Taleb desenvolve em Antifragile; [3] Esta distinção foi inicialmente descrita por Elliott Jaques e agora revisitada para este artigo; e [4] – Os sete níveis de abstração a ação humana foram descobertos e descritos por Elliott Jaques e posteriormente destilados por Gillian Stamp no que chamou de Matrix of Working Relationships; este modelo, naturalmente, serviu de base para o pensamento por trás deste artigo. É também parte central do trabalho do Instituto Pieron junto às organizações por meio do que chamamos de Work Levels.

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