Potencial Humano e Ciência

agosto 15, 2016

Alguns conceitos continuam confundindo a prática de recursos humanos. São eles: preferências pessoais, competências e potencial humano e, ao lado deles, testes e suas validades. Infelizmente, existem vendas e compras confusas em torno dos temas. Vamos dar nossa contribuição para esclarecê-los.

Preferências

São aquelas descrições do estilo de cada um obtidas por meio de questionários em que as pessoas informam como preferem lidar com certas situações e processar informações. Não são testes. Não avaliam competências. Oferecem output na forma de um modelo – sendo o mais difundido o da psicologia junguiana, e de tipos, como pensativo, sentimental, intuitivo, perceptivo, extrovertido, introvertido; ou ainda dominante, conformado e influenciador, entre outros. Grau de validade dessas técnicas para prever o sucesso na vida prática? Baixo.

Competências

São descrições das estratégias pessoais para resolver problemas. As competências são agrupadas de acordo com a intensidade com que são usadas e com o grau de complicação dos problemas; e existem problemas de várias naturezas: pessoais, sociais, gerenciais, de planejamento, de estratégia, de mudança, entre outros. Por sua natureza, a avaliação de competências envolve captar aspectos subjacentes às pessoas e nem sempre acessíveis diretamente às próprias pessoas, pelo grau de inconsciência em muitos casos. As competências exigem interação de pelo menos duas pessoas, em que uma pessoa utiliza modelo, referência e habilidade para captar aqueles aspectos subjacentes. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Pode chegar a 0.62 (explicando ~38% dos fatores envolvidos). Relativamente alto, considerando-se ciências humanas.

Capacidade e potencial humano

Perfis e preferências são descrições de estilos. Não diferenciam particularidades mais específicas entre as pessoas. Competências têm um foco forte em desempenho, performance, pois toda a avaliação por competências olha para o passado na busca de indicadores que possam garantir o maior acerto para o desempenho imediato (num cargo, por exemplo). Mas nada nos diz do futuro. Potencial humano diz respeito ao desdobramento da capacidade. Assim, falamos de capacidade potencial atua e futura. Na literatura, a única definição científica e operacional de capacidade ou potencial vêm dos trabalhos de Elliott Jaques e Gillian Stamp, validados em pesquisas on-the-job junto a diferentes empresas no mundo.

Potencial humano é medido pelo conceito de time-horizon que define o quadro futuro no qual uma pessoa não apenas vagamente pensa e fala a respeito, mas também com o qual pode, efetivamente, lidar, antecipar e controlar, fazendo coisas numa escala em que consegue sentir-se confortável tomando decisões ao longo do percurso. Potencial humano neste conceito tem a ver com as escalas de complexidade e incertezas com as quais uma pessoa consegue lidar, escalas essas crescentes e mensuráveis em um horizonte de tempo de conclusão de uma tarefa. Envolve o futuro e sua construção, o uso do julgamento e discernimento, a capacidade de lidar com a complexidade – sempre variável, a ausência de conhecimento e o menor impacto da experiência anterior. Quando não sabemos exatamente o que fazer é quando temos que usar nosso potencial de julgamento. E isto não é explicável pelos instrumentos de perfil, personalidade, inteligência tradicional, nem emocional.

O modelo Work Levels define potencial humano e o mede de modo científico. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Entre 0.85 e 0.922 . Entre vários estudos, Gillian Stamp relata experimentos acompanhando mais de 250 profissionais em cada experimento, ao longo de até 20 anos. O aspecto mais intrigante dos trabalhos de Jaques e Stamp é que, neste conceito, a capacidade para conduzir projetos e produzir julgamentos para diferentes horizontes de tempo cresce ao longo do tempo. Não é treinável, mas este crescimento pode ser estimado. E aí que as pesquisas mostram algum nível de consistência. Não devemos, contudo, confundir potencial com desempenho. Um não vive sem o outro, mas o primeiro é determinante do escopo de ação do segundo.

Nossas pesquisas apontam resultados semelhantes. Junto a uma empresa do ramo siderúrgico, os índices de consistência foram de 91% com relação ao crescimento ou estabilidade do potencial, cinco anos após a primeira avaliação. Junto a outra empresa do setor farmacêutico, uma amostragem com 14 casos gerou os seguintes dados: 64% dos casos mostraram o crescimento previsto do potencial; 21%, estabilidade também prevista; 14% (2 casos) dos casos mostraram uma evolução um pouco acima do previsto. Esta margem de 14% encontra-se dentro dos limites estatísticos previstos pelo sistema de assessment baseado no modelo Work Levels. As variações nas avaliações de potencial podem ser atribuídas a diferentes fatores, desde treino dos avaliadores até momentos de transição pessoal das pessoas por ocasião das avaliações, bem como forte sentimento de alguns de contrariedade por sub-aproveitamento. Obviamente que estes fatores tentam ser controlados. A pequena margem de variação entre previsão e realidade coloca o Work Levels como o modelo de maior validade científica dentre os diferentes instrumentos utilizados e, ainda, o único que oferece a tendência de evolução futura da capacidade.

Numa terceira empresa mineradora, o trabalho de identificação de sucessor para uma posição gerencial de nível médio, o instrumental Work Levels® mostrou-se igualmente preciso. Cinco anos após, seis pessoas indicadas internamente tiveram uma reavaliação, e a evolução de um nível de capacidade potencial para outro foi confirmada em quatro casos, a estabilidade foi confirmada em um caso, e em outro caso, houve leve crescimento acima do esperado. Este caso estava exatamente num transition phase pessoal. Enfim, 100% dos casos confirmando as expectativas, 84% dos casos exatamente dentro das expectativas. Todas estas reavaliações foram feitas “às cegas”. Todos estes dados e confirmações independem de sexo, idade ou raça.

As empresas buscam tanto identificar quanto reter talentos. Diversas são as ações para tal. Mas a identificação dos chamados talentos carece de cientificidade nas práticas das organizações. Fala-se de talentos, mas mede-se muito pouco. O Work Levels® oferece uma base de consistência ímpar que, ao lado de políticas específicas, identificam os recursos a serem desenvolvidos e preservados à luz dos valores de cada companhia. O baixo interesse pela discussão conceitual quando da “compra” de determinados produtos faz com que algumas empresas surpreendam-se quando descobrem que estão usando indicadores errados para o que querem avaliar. Não se pode medir aquilo para o qual não se tem definições precisas e nem métodos adequados.

Bibliografia:

Spencer & Spencer; 1992. Competence at Work; Wiley & Sons. USA.
Jaques, E. 1994. Human Capability. Cason & Hall. USA.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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