Num mundo onde o trabalho organizado e remunerado se impõem, falar de carreira é mais do que pertinente. Adicione ainda as constantes pressões do chamando ‘mundo sem emprego’.
Em países desenvolvidos, o trabalho vinculado a organizações responde por 80 a 95%! Mas esta não é nossa realidade. Por aqui, a carreira permanece uma questão vital.
Ao homem moderno, pelo menos duas questões se apresentam: escolher uma profissão por auto-realização ou por recompensa extrínseca (dinheiro, por exemplo). Difícil encontrar uma resposta. Para alguns, essa dualidade não existe. Extrínseco é apenas uma forma didática de diferenciar o mundo externo do interno. Para outros, a questão da felicidade vai além.
Quando um jovem, adolescente, quer optar por uma profissão, questões como essas podem soar prematuras. Afinal, eles têm toda uma vida pela frente! Contudo, as pessoas na ‘crise da meia idade’ (acesse www.pieron.com.br – biblioteca), observam suas realizações, checam seus valores e olham para o futuro de um modo diferente. A felicidade se impõe.
Autores como Maslow (um dos maiores teóricos sobre motivações) e Erik Eriksson (um dos maiores sobre psicologia do desenvolvimento) revelaram aspectos interessantes em suas obras. Maslow entendeu que além das cinco necessidades básicas, havia a necessidade espiritual. Eriksson, além dos oito estágios do desenvolvimento, descobriu o estágio transcendente. Sem qualquer conotação religiosa, estes autores falam do ponto de vista do mundo interior do ser humano.
Na revista Época de 30/12/02, a entrevista em destaque foi ‘Terapeuta do Dinheiro’. A asserção básica é a de que a vocação em si não conta. Sem dúvida, em sintonia com o prag-matismo americano e as ideologias capitalistas. Se o mundo é um mundo econômico, de negócios, a vocação essencial passa a ser saber fazer dinheiro.
Contudo, as questões não são tão simples. Considerando que a maior parte dos trabalhos não está diretamente relacionada às decisões de investimento, e que dedicamos ao trabalho de 8 a 14 horas diárias, acredito que muitas pessoas também vão buscar a realização pessoal. Não há dúvida de que existem preferências pessoais. Nem todos querem trabalhar com números, com gente, nem todos querem tecnologia. A carreira envolve o lado extrínseco, o do dinheiro/status, como também requer conquistar novos conhecimentos (do contrário, o dinheiro não vem, não é?), ter flexibilidade e facilidade de mudança de áreas de conhecimento, isto é, aprender. Aqui a reflexão é outra. E essas questões se tornam claras quando se conversa com quem passa pelos chamados períodos de transição de carreira.
Transição de carreira: Dois focos
Normalmente fala-se de transição de carreira durante o desemprego. A transição prevê encontrar uma nova posição, muitas vezes com apoio de serviços especializados. Pode tomar a forma de uma revisão pessoal, avaliando-se as causas do desligamento em termos de performance, de atitudes, de oportunidades perdidas. E é uma oportunidade de mudança se não houver pressão financeira. Agora, se a ansiedade for grande, a reflexão ficará inibida e maior deverá ser a habilidade do conselheiro. As pressões sociais, familiares e econômicas às vezes falam mais alto.
E existe também a transição de carreira, quando as pessoas ainda estão empregadas. Nessa situação, há a possibilidade de promoção em atividades que aumentam o nível de complexidade do trabalho, o qual precisa estar alinhado com o aumento da capacidade de lidar com a incerteza. Muitas pessoas almejam posições mais estratégicas e para isso deveriam estar ‘equipadas’ não só com a ambição do dinheiro e status, mas também com a condição de poder lidar com raciocínios diferentes, enxergar horizontes mais amplos e longos, de poder contribuir não mais para desenhar sistemas de trabalho, mas, sim, para administrar o futuro desconhecido. O desafio passa a ser o de produzir e gerenciar inovações. O autoconheci-mento e o convívio com limites pessoais tornam-se vitais.
Vale a parábola do jovem arqueiro que se tornou exímio atirador sem entrar para um mosteiro. Desafiando um monge na arte da flecha, mostrou como consegue acertar uma cereja a muitos metros de distância. O monge, por sua vez, retribuiu colocando-se sobre uma pequena ponte de cordas apodrecidas sobre um imenso abismo para fazer seu tiro. O jovem, tentando imitá-lo, não conseguiu manter o equilíbrio e perdeu seu tiro.
Ter controle sobre si mesmo nos momentos difíceis é mais do que uma habilidade técnica. E para isto o autoconhecimento – conhecer sobre seu tipo, seu estilo, seus valores e seu potencial para diferentes níveis de trabalho – faz uma grande diferença e o torna mais competitivo em situações difíceis e imprevistas.
Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.