Autodesenvolvimento, Capacidade, Carreira

Carreira, Capacidade e Idade

A reportagem de capa da revista Exame, publicada no primeiro semestre deste ano, sobre a ‘Carreira Após os 40 Anos’ reflete a falta de conceitos com que se pensa o gerenciamento da capacidade humana para o trabalho e ainda mostra, paradoxalmente, as inconsequentes conclusões oriundas desta inconsciência. Ela traz danos às pessoas ao abordar assuntos vitais sem bases fundadas a respeito da natureza humana, trata a vida de maneira impulsiva e reflete um profundo engano acerca do talento humano, que teria sua melhor performance nos jovens.

Não somente a imprensa mostra inconsciência e carência de conceito, como também muitas empresas. Sem compreender muito bem a natureza da capacidade humana para o trabalho, a organização acaba definindo políticas que afastam as pessoas que vivem o melhor de seu potencial, quando se tornam mais ‘sábias’. Um exemplo freqüente é o estímulo à aposentadoria precoce.

Nossa experiência com organizações mostra claramente a necessidade de se ter uma concepção clara sobre a natureza da capacidade das pessoas. As empresas querem encontrar potenciais, visualizar o desenvolvimento das pessoas, incentivar o espírito empreendedor em todos. Elas afirmam em discursos que todos podem ser CEOs e assim por diante. Sem dúvida, são ações e intenções importantes e motivadoras. No entanto, como entender tudo isto dentro de um sistema gerencial voltado para resultados, para a competição, e também, por que não, para gerar oportunidades de realização pessoal?

Pretendo, à luz de teoria científica, validada e desenvolvida dentro de ambiente de trabalho, e pesquisada com profissionais que tomam decisões e participam dos destinos das organizações, esboçar algumas questões que podem dar alguma orientação para estas ações de gerenciamento de carreira, de capacidade humana, de desenvolvimento.

A escola americana de gerenciamento, essencialmente inspirada numa visão ‘behaviorista’ (comportamental) de pessoa humana, impregnou-nos de práticas que envolvem estimular comportamentos e recompensar respostas. Ainda nos debatemos com sistemas de ‘avaliação de desempenho’ (o eterno dilema, avaliar resultados?, como reconhecer o desempenho?, como remunerar o talento?), e, observem, parece que cada vez mais entramos num labirinto acerca do como conviver com a natureza humana no trabalho. Nos ensinaram a procurar no extrínseco os principais elementos para a gestão das pessoas e suas motivações. Nos ensinaram, ainda, a interagir pouco com as pessoas e sua natureza intrínseca, suas aspirações, seu autoconhecimento.

Minhas referências conceituais acerca da natureza humana têm outra fonte: uma visão cognitiva e auto-relizadora do ser humano – ou escola européia. Uma das principais referências desta escola são os trabalhos de Elliott Jaques (Tavistock Institute e Brunel University, Londres). Jaques, hoje, está para as teorias organizacionais, assim como Freud, para a Psicanálise e Adam Smith, para a Economia. Afinal, os únicos trabalhos científicos essencialmente longitudinais (20 – 30 anos, dados de mais de 15 países), centrados no estudo da complexidade do trabalho nas organizações e no da capacidade humana para o trabalho são dele e de sua equipe.

Jaques, entre outras coisas, pode ser considerado como ‘o pai do tempo’. Seus trabalhos levaram-nos a conhecer que uma das janelas mais importantes da atividade humana (ou cérebro, se preferir) é a janela do tempo. Seus trabalhos identificaram as ‘sete camadas de tempo’ para a organização do trabalho e das pessoas em torno do trabalho (Fig. 1). Ele descobriu que a maneira mais objetiva de se medir a complexidade de um trabalho é o tempo – a distância futuro na qual as pessoas conseguem se ver comprometidas com alguma coisa, ou o espaço de tempo futuro para o qual elas são capazes de formular metas e realizá-las. Bem, se conseguíssemos bater uma fotografia do horizonte de tempo com que os profissionais em uma organização estão trabalhando, provavelmente encontraríamos alguma distribuição parecida com a da figura 1.

Habilidades de construção de visões
Figura 1

Esta hipótese torna-se um dos pilares da concepção de Jaques sobre a natureza das estruturas hierárquicas e da capacidade humana para o trabalho. Ele constatou o que distingue um trabalho de outro, e conseqüentemente, a liderança, é o horizonte de tempo com que trabalhamos e projetamos ações no futuro. Por que os intervalos de tempo aumentam à medida que crescem as percepções de importância e responsabilidade, à medida em que o indivíduo desloca-se para níveis cada vez mais elevados nos sistemas executivos? Além disso, por que uma série regular de passos no nível da organização ocorre em determinados níveis de intervalos de tempo? Sua conclusão é a de que o intervalo de tempo máximo com o qual uma pessoa consegue lidar e alcançar mede e define o poder cognitivo dessa pessoa.1

Sete camadas de tempo, sete níveis máximos de complexidade para a gestão de um empreendimento (cinco para uma business-unit, sete para um empreendimento multinacional), sete níveis de capacidade das pessoas para conduzir ações no contexto do trabalho mundano.

Hoje, as pesquisas modernas com o cérebro estão confirmando e reafirmando as hipóteses de Jaques.2 Estas pesquisas falam de componentes biológicos específicos para o processamento e comando do futuro: os lobos pré-frontais, adiante da fissura de Rolando. Estudos sociológicos e antropológicos convergem. Outros sobre o desenvolvimento da cognição até o desenvolvimento moral sondam a mente como uma espécie de caixa do tempo: somos criaturas limitadas pelo tempo. Cada indivíduo, por sua natureza (autodeterminação) coloca-se limites sobre aquilo que irá se permitir fazer com o seu tempo, e, dentro desses limites, vive sua vida.

O desconhecimento dessa realidade fundamental gera boa parte da ansiedade profissional, que atinge qualquer organização, líder ou administrador. 3

Para Jaques, o alinhamento entre os horizontes temporais das tarefas e a capacidade das pessoas são a condição essencial para o pleno uso do potencial humano e o bem-estar no trabalho.4 Continuamos a tratar as pessoas como fornalha de carvão. Simplesmente abrimos as portas e atiramos um monte de tarefas sem atentar para o ‘horizonte de tempo’ de quem recebe essas atribuições. Depois nos perguntamos: por que os níveis de combustão da fornalha não atendem às expectativas?

Carreira, capacidade das pessoas e bem-estar no trabalho

Outro ponto fundamental do trabalho de Jaques é sua visão otimista e bem diferenciada da cultura tradicional de inteligência e ‘QI’. Com base em suas pesquisas ‘on-the-job’, cientificamente validadas, a capacidade das pessoas para o trabalho e para lidar com diferentes níveis de complexidade cresce ao longo do tempo. Durante mais de três décadas Jaques andou pelos corredores de numerosas organizações, observando e medindo o fator temporal como determinante do sucesso do gerenciamento de tarefas. Basicamente, suas conclusões apontam para diferenças significativas nas capacidades das pessoas, e estas têm a ver essencialmente com lidar com a incerteza e a ambigüidade, as quais formam um outro pilar de sua concepção.

Trabalhando com diferentes horizontes de tempo, as empresas conseguem se organizar para lidar com diferentes níveis de incerteza e, assim, integrar ações de gestão direta com ações tipicamente estratégicas e que demorarão muitos anos para frutificar (vide Fig. 1). Naquelas diferentes camadas de tempo, nós mostramos diferentes competências para lidar com a incerteza e a ambigüidade. Assim, dentro da organização, quando trabalhando com os diferentes horizontes de tempo alinhados, podem-se observar capacidade e competência no gerenciamento de fatores tais como:

  • Capacidade para considerar a incerteza como um recurso;
  • Capacidade para pensar além das regras;
  • Disposição para produzir teorias;
  • Uso de informações contraditórias;
  • Receptividade para todos os recursos;
  • Habilidade para ouvir o não dito;
  • Habilidade para procurar respostas divergentes e contraditórias, e conviver com a ambigüidade delas;
  • Habilidade para prestar atenção no que é, não é, e no que poderia ser;
  • Capacidade para conviver com o conhecimento, o desconhecimento, e também com aquilo que talvez nunca será desvendado;
  • Maior capacidade para conviver com processos de desenvolvimento, e menos com eventos.

Eu tenho convicção de que vocês, ao lerem estes fatores, poderão identificar em si mesmos maior ou menor tolerância ou habilidade de trânsito por eles. O que faz o tempo tão diferente de uma pessoa para outra ainda não tem uma explicação definitiva. Mas é possível o gerenciamento destas qualidades.

Jaques e sua equipe desenvolveram sistemas que conseguem identificar o ‘horizonte temporal’ das pessoas e das organizações, e a maneira de usar esta informação para o benefício mútuo. Para Jaques, a injustiça está em não reconhecer estas diferenças e apostar cegamente em processos de delegação que poderão causar perplexidade, ansiedade, decisões retardas, impróprias, sob a crença de que podemos fazer qualquer coisa em qualquer momento. Ele acha isto injusto, inadequado, e comprova o mau gerenciamento.5 (Fig 2)

Experiência dos sistemas
Figura 2

 

Todos evoluem para um nível além do atual. Contudo, como esta informação pode ser mais útil? Antes teremos que vencer um importante tabu. Se, de um lado, nossa capacidade cresce ao longo do tempo, existem diferenças individuais neste crescimento. Sem dúvida que para a empresa conhecer estes limites é fundamental, para que possa adequar a capacidade de acordo com os níveis de complexidade de trabalho. Mas, e a pessoa? Como reage, eventualmente, se tiver uma informação do tipo, ‘o melhor investimento de sua capacidade nos próximos 5/10 anos, com base no modelo Work Levels®, parece ser em atividades em que possa se responsabilizar pela condução de projetos, tarefas, com horizontes de tempo entre um e dois anos’ (tarefas assim são de gerentes de departamento, vendas, desenvolvimento, na carreira gerencial; ou assessores e consultores internos, na carreira ‘solo’). Contudo, para muitas pessoas, este ‘horizonte de tempo’ tende a se expandir no futuro (idade). E muitos podem experimentar mais uma, duas, três, quatro transições significativas na capacidade de condução do trabalho.

Entendemos que esta qualidade de informação traz mais benefícios do que prejuízos. Assim, as pessoas se fortalecem e podem pensar mais seriamente sobre o seu próprio destino. Este controle deve estar com o profissional que, sem dúvida, obterá benefícios por isso. Tudo isso tende a aumentar a probabilidade de sucesso da pessoa em trabalhos de equipe, grupos ou organizações.

Tudo depende ainda do grau de confiabilidade das políticas organizacionais. Em nossa experiência com milhares de feedbacks abordando a questão da capacidade humana e seu crescimento, e o como poderiam usar sua capacidade para o trabalho, observamos que muitas pessoas temem ser discriminadas por não ter grandes ambições como quer o senso comum. Averiguamos que muitas pessoas ficariam muito satisfeitas se as empresas aceitassem que estão felizes em determinados níveis de trabalho mesmo sendo intermediários. A crença de que todo subordinado quer o cargo de seu chefe nem sempre é verdadeira.

O conceito de trabalho que Jaques utiliza está associado ao uso do julgamento (trabalho humano não é medido pelo esforço ou energia empregada). Para ele, capacidade tem a ver com ‘o que fazemos quando não sabemos o que fazer’. Nosso trabalho, em encontrar o melhor match entre capacidade e desafio, visa, essencialmente, procurar contribuir para que todos se beneficiem do julgamento. Assim, é necessário um ambiente de confiança mútua. Usamos melhor nosso julgamento (intuições) quando não estamos sob stress, tensão, isto é, quando estamos na condição que entendemos por ‘flow’ (fig. 2).6

A condição de ‘flow’ ilustra tanto os benefícios como o mau uso da capacidade. Muitas empresas ‘promovem’ as pessoas para posições maiores por entender que sua alta performance (‘flow’) é indicador para promoção, sem aguardar o tempo de amadurecimento devido

Com estes pressupostos, entendemos que cada um possui um potencial, tanto atual como futuro, que hoje pode ser dimensionado, estimado, em termos de tendências, com relativo grau de precisão. E acreditamos que esta informação é essencial para o plano pessoal de carreira. Cada um de nós possui um projeto, ainda que inconsciente, de nosso futuro. A abordagem Work Levels® quer ajudar as pessoas a mergulhar em seus processos e compreender alguns aspectos de suas capacidades.

Muitas empresas não compreendem que a capacidade humana cresce ao longo do tempo. Muitas também, por terem promovido pessoas quando estavam em sua condição ‘flow’, acabam por querer confirmar a predestinação do ‘ser promovido ao seu nível de incompetência’. Esta, sim, uma profecia que se confirma pela inconsciência que se tem a respeito da capacidade humana e de seu crescimento. Não existe necessidade alguma de se promover pessoas ao seu nível de incompetência. Precisamos sim é conhecer as competências, e evitar julgamentos precipitados e, de fato, pseudo-otimistas acerca do quanto se pode fazer num determinado momento da vida. Acho justo utilizar conceitos e teorias que procuram garantir o adequado match entre pessoas e seus desafios – o que gera bem-estar e confiança nas políticas organizacionais. Qualquer pessoa desconfia dos julgamentos quando lhe oferecem algo acima ou abaixo de sua capacidade. Muitos se sentem constrangidos em recusar. Muitos gostariam de deixar de fazer o que fazem, outros de fazer muito mais do que realizam. A maior arte é gerenciar o uso da capacidade das pessoas. Os ganhos são muito mais compensadores do que formular discursos acerca do potencial infinito de cada um, o que, na prática, poucos acreditam. Mas todos acreditam, sem dúvida, na capacidade de auto-realização, do pleno uso de suas capacidades e seus recursos criativos em benefício do crescimento de uma comunidade. Esta me parece a responsabilidade essencial dos gestores de carreira ou desenvolvimento. A base é um profundo conhecimento da capacidade humana, seu desenvolvimento. Sem dúvida, isto não passa apenas pelos programas de treinamento. Também não entendemos que as perspectivas de carreira se encerram aos ’40’. Talvez esta seja a maior das blasfêmias acerca da natureza humana e sua capacidade. Jaques é claro: ‘muitos irão realizar o potencial após o período da aposentadoria’.7 Muitas empresas poderão estar perdendo competências em seus estágios de ‘sabedoria’, isto é, em momentos em que poderiam utilizar seu julgamento para problemas de maior complexidade para o benefício do empreendimento.

Referências Bibliográficas

  • Jaques, E., Journal of Applied Behavioral Science , Vol. 22, 1986.
  • Loye, D, Brain, Mind and Future Vision. Shambala, 1983.
  • Lynch, D., Kordis, P., The strategy of the Dolphin, Brain Technologies, 1988.
  • Jaques, E. Requisite Organization. Cason & Hall, 1996.
  • Jaques, E. Creativity and Work. Cason & Hall, 1988.
  • Adaptado de Mihalyi Cszencst. – Flow. Harper & Row.
  • Jaques, E., Human Capability. Cason & Hall. 1994.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

 

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Carreira

Carreira e a crise da meia idade

A frenética busca por cursos e informação deve ser compensada pela reflexão individual a respeito das fases da vida e perspectivas. Esse cenário interior deve dar sentido às buscas externas. No curso do desenvolvimento passamos por fases críticas, as quais têm o caráter de pontos de mudança, ou rápidos períodos de transição. Talvez, a menos familiar seja a crise que tende a ocorrer em torno dos 35/40 anos de idade, a qual Elliott Jaques chamou de crise da meia-idade. Essa crise, na maturidade plena, tende a ocorrer também por volta dos 65 anos. É claro que essas fases, processos, e seu desdobramento e duração variam de pessoa para pessoa. Em torno desta idade, alguns dos sinais podem aparecer em relação à criatividade no trabalho de três maneiras: a carreira criativa parece ter chegado ao fim ou a criatividade parece estar ‘secando’; a capacidade criativa começa a querer se expressar pela primeira vez; ou uma decisiva mudança na qualidade e conteúdo da criatividade pode ter lugar. Os artistas refletem isto com relativa intensidade. Jaques acredita que em torno dos 37 anos muitas crises criativas assolam diferentes talentos. Ele estudou cerca de 310 pintores, compositores, poetas, escritores, escultores, e constatou que esta espécie de ‘morte súbita da criatividade’ explode entre os 37 e 39 anos aproximadamente. Muitos casos até com a morte física das pessoas. Jaques pensa que essas crises estão associadas a pelo menos dois fatores: mudanças no conteúdo do trabalho ou mudanças no ‘modo do trabalho’1.

Mudanças no modo do trabalho

O indivíduo – e falamos agora de qualquer pessoa, não só das geniais – em torno dos 20/30 anos tende a ter uma criatividade mais ‘quente’, intensa, espontânea, e se expressa como ‘pronta’. A produção consciente é rápida, o ritmo da criação também. A criatividade, ao final dos 30 anos e a posterior, é mais esculpida. A inspiração pode ser ‘quente’ e intensa, mas existe um grande passo entre os primeiros sinais de inspiração e o produto criativo final. A inspiração em si pode vir mais lentamente. Mesmo que existam ‘explosões’ de criação, são apenas inícios dos processos de trabalho. Em seguida, começa o processo de modelar e concluir o produto do trabalho, até ser exteriorizado. A elaboração inconsciente tem maior impacto.

Erik Erikson define as ‘oito idades do Homem’ – estágios pelos quais evoluímos e damos significado às nossas vidas. Desde a infância até a pré-adolescência, são quatro. Da adolescência à velhice, mais quatro. Erikson trabalha seus conceitos sempre em dualidades. Cada estágio representando temas e dilemas específicos. Tipicamente na idade do jovem adulto (20 aos 35 anos) e adulto (35 aos 65 aproximadamente), os temas vividos estão em torno de ‘identidade X confusão de papéis, intimidade X isolamento’, ‘generatividade X auto-absorção’. A ligação gerativa tem a ver com a idade adulta. A idade adulta pode ser caracterizada como tendo um senso de urgência muito forte, como na passagem do homem moribundo. Enquanto deitado com os olhos fechados, sua esposa lhe falava os nomes das pessoas que ali estavam para lhe desejar o ‘shalom’. De repente, ele pergunta para sua esposa: ‘quem está cuidando da loja?’ Este é o espírito da vida adulta, ‘manter o mundo’. O tema na vida adulta – ‘generatividade’ X estagnação e auto-absorção – envolve criatividade, produtividade e procriação e, portanto, a geração de novas coisas, como também novos produtos e idéias, incluindo o tipo de auto-criação preocupada com a identidade pessoal. Certo sentido de estagnação pode ser experimentado nessa idade, mesmo para os que são altamente criativos e produtivos. A grande virtude que emerge nessa idade é o ‘cuidar’ – cuidar das pessoas, dos produtos, das idéias que aprendemos a cuidar. O sentimento de estagnação pode trazer oportunidades de revisão de frustrações específicas, seja na vida afetiva ou na criativa. Cuidar opõe-se a rejeitar, isto é, a falta de vontade de incluir pessoas específicas ou grupos em seu território de ‘cuidar’ – não querer cuidar de. Neste estágio, questões como ética, leis, ideologias, crenças e insights são determinantes nas decisões com relação ao que se inclui/exclui. A busca por princípios mais universais são essenciais nesta etapa.

Uma adequada elaboração dos estágios é determinante para nossa saúde. A busca externa por dados, informação, deve ser contrabalançada por uma compreensão das demandas psicobiológicas da vida, de onde virão os significados. A vida adulta, adequadamente equilibrada, nos remeterá para o nosso último estágio – a velhice, na qual os temas são de outra dimensão: sabedoria X desespero, compreender, reconhecer, cuidar de gerações, ou desdenhar. De qualquer modo, a crise da meia-idade deve ser vista como oportunidade de autotransformação. Muita energia criativa e produtividade advêm de uma adequada compreensão dos nossos motivos e significados, e tudo isso sugere uma adequada atenção aos sinais de frustração, inquietude, normais de emergirem em torno e a partir dos 35 anos. Bem-vindo, agora, ou um pouco mais adiante.

Leia mais

Jaques, E. (1990) – Creativity and Work. International Universities Press. USA
Erikson, E. (1982) – The life cycle completed. Norton. USA


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Aprendizagem e Instrucionismo – Novos Paradigmas

Aprender é um requisito fundamental para a existência sustentada, para pessoas e para organizações. Parece não haver dúvidas sobre isto, principalmente num ambiente onde dados e informações fluem com muita velocidade embora, não, o conhecimento. Conhecimento depende da capacidade de aprender e este conceito – aprendizagem, historicamente muito discutido e atualmente retomado com grande intensidade, é hoje um dos grandes pilares do desenvolvimento organizacional e individual.

Ao lado da aprendizagem individual caminham as discussões sobre ‘aprendizagem organizacional’. Parece que conseguimos localizar a aprendizagem numa pessoa. Podemos fazer o mesmo em relação às organizações? Existe uma ‘organização’ que aprende? Isto é, existe um ‘o que organizacional’ que aprende tal qual podemos dizer de uma pessoa?

Teorias da aprendizagem são cruciais para responder a estas questões. Décadas de estudos produziram algumas idéias sobre a aprendizagem humana. Psicólogos, lingüistas e educadores estudam com entusiasmo esse tema e fazem descobertas a respeito das limitações cognitivas para a aprendizagem e dos meios de estimular o desenvolvimento cognitivo.1 O foco de Piaget nos processos do desenvolvimento cognitivo de crianças e o trabalho de Lewin sobre a pesquisa da ação e do treinamento em laboratório, forneceram muitas perspectivas sobre como aprendemos individualmente e em grupos.2 Algumas linhas teóricas baseiam-se no ‘estímulo-resposta’, como Skinner, e outras trazem as contribuições da Gestalt ou mesmo da Psicanálise.

Um bom trecho das teorias ‘descreve’, do ponto-de-vista do observador, como ocorre a aprendizagem. Daniel Kim3 retoma o ciclo do ‘PDCA de Shewhart, recuperado também por Deming, para fazer referência ao processo pelo qual ocorre a aprendizagem. Destaca quatro etapas: primeiro, observações e reflexões; segundo, formação de conceitos com abstrações e generalizações; terceiro, teste das implicações dos conceitos em novas situações e, finalmente, experiência concreta. Em resumo, observar, avaliar, projetar e implementar.

Novas incursões de outros autores, como Peter Senge, trazem a discussão da questão da aprendizagem organizacional. Um de seus principais conceitos – modelos mentais – mostra como nossa representação do mundo, incluindo as compreensões implícitas (crenças, valores, processos mentais inconscientes) e as explícitas (raciocínio articulado, deduções, conclusões) têm um papel ativo no comportamento de uma pessoa, pois fornecem um contexto segundo o qual a atitude de observar e interpretar novos materiais é aplicada. Os modelos mentais tanto podem dar sentido, como limitar ou facilitar a aquisição de novos conhecimentos.

Finalmente, Kim ainda apresenta dois níveis de aprendizagem – operacional e conceitual, isto é, o que se aprende e o por quê se aprende (know how e know why). A aprendizagem operacional é representada em nível de procedimentos, no qual se aprendem as etapas para se completar uma tarefa específica, capturada sob a forma de rotinas. A aprendizagem conceitual tem a ver com o pensar sobre o motivo de se priorizar algo, desafiando muitas vezes a própria natureza ou existência de condições, procedimentos ou concepções predominantes.

Instrucionismo

Estas idéias são relativamente acessíveis. Descrevem processos que ‘aparentemente’ ocorrem ‘dentro’ das pessoas. E estamos acostumados a falar de aprendizagem sempre nos referindo a uma relação, no mínimo, a dois – quem ensina e quem aprende. Um ponto instigante, porém, é trazido à tona por um dos mais conceituados biólogos contemporâneos, Humberto Maturana, através do seu conceito de autopoiesis.4 Maturana vive em Santiago e pode ser considerado o maior patrimônio latino-americano em Biologia, sobretudo no campo da educação e aprendizagem. Aqui, especificamente, interessa sua crítica veemente ao instrucionismo5 nos seres vivos, inaugurando uma discussão da aprendizagem com base na Biologia. Para Maturana, os sistemas vivos são determinados estruturalmente, de modo que tudo o que lhes possa acontecer a qualquer momento depende de sua estrutura. O que nos interessa mais de perto ainda é a idéia de que todo agente que incide sobre tais sistemas determinados estruturalmente não faz mais que desencadear mudanças; estas mudanças são determinadas nos próprios sistemas. Maturana afirma com grande ênfase:

A partir de nosso viver cotidiano sabemos também que, ao escutarmos alguém, o que ouvimos é um acontecer interno a nós, e não o que o outro diz, embora o que ouvimos seja desencadeado por ele ou ela. (6)

Sistemas autopoiéticos são abertos ao fluxo de matéria e energia, mas fechados em sua dinâmica estrutural. Estar vivo significaria modificar-se estruturalmente apenas quando estas mudanças convergirem para conservar a autopoiese (modo de vida autodeterminado). Sistemas autopoiéticos são sistemas ‘auto-organizantes’ e caracterizados por três aspectos principais: autonomia, circularidade e auto-referência. Estes conceitos expressam a capacidade autônoma da vida de conduzir sua própria preservação e desenvolvimento, e inclusive de gerar a si própria (autoproduzir-se).

Aprender é uma decisão ‘de dentro para fora’ e, isto, definitivamente, descarta o instrucionismo. Os fundamentos são essencialmente biológicos e, por extrapolação, afetam as ciências humanas, como cognição, sociologia e até o direito. Com Varela, Maturana conclui ser o próprio ser vivo um sistema fechado, constituído pela circularidade de seus processos. A percepção da realidade exterior, ou seja, o fenômeno ‘conhecer’, é exatamente o próprio fenômeno ‘viver’, ou seja, é um operar (interior) adequado ao ambiente (exterior), ou ainda, o conhecer é um fenômeno do operar do ser vivo em congruência com suas circunstâncias.

O modelo tradicional percebe o sistema nervoso como aberto, o que capta informações por meio dos cinco sentidos e constrói uma representação interna de uma realidade externa. O equívoco deste modelo reside justamente na noção de representação – base das ciências cognitivas das últimas décadas e parte de nossa orientação filosófica ocidental de inspiração cartesiana da dualidade entre corpo e mente, sendo a mente uma ‘entidade desincorporada’ (âmbito das idéias). Maturana vai exatamente na direção oposta, mostrando como nossa cognição e pensamentos estão inextricavelmente contidos em nossa ‘mente incorporada’.

As bases dessas conclusões resultam de pesquisas neurológicas, uma delas com a percepção visual das cores. Maturana compreende a atividade das células da retina em termos da circularidade interior, desvinculando a atividade das células do estímulo cromático exterior. É a estrutura da retina que determina a atividade da retina, e não o estímulo externo.7 Enfim, as imagens (representações) criadas pelo sistema nervoso são, na verdade, expressões ou descrições de sua própria organização e, assim, a experiência sensorial da realidade deixa de ser uma representação da realidade e passa a ser uma configuração, uma ‘especificação’ da realidade.

Aprender e o não instrucionismo

As implicações epistemológicas são profundas. Enquanto podemos dizer que existem ‘aprendedores’, não podemos dizer o mesmo sobre os ‘ensinadores’. A instrução ou a tutela da aprendizagem descaracteriza-se totalmente. Organismos autodeterminados decidem o que aprender em função de suas estruturas. Organismo e meio geram-se mutuamente, e não existe esta interdependência do organismo e seu meio.Termodinamicamente abertos, mas organismos estruturalmente fechados. Isso significa que um organismo autopoiético pode trocar livremente energia com o ambiente, mas, ao trocar informações, essas não necessariamente terão um mesmo significado para o sistema (ser vivo) e para um observador externo; para o sistema, cada informação tem um significado próprio, que só para ele faz sentido. Desta forma, mais que interdependentes, o organismo e o meio (como indivíduo e sociedade) são interconstituintes.

O objetivo deste fechamento é a autoprodução da identidade do sistema. O sistema precisa ser autoreferente, pois ele não consegue participar de interações que não estejam especificadas dentro do padrão de relações que descreve sua organização – já que não tem como compreendê-las.8 As mudanças no organismo são desencadeadas pelas interações, mas nunca por elas determinadas.

Se ensinar passa a ser uma quase-impossibilidade, de outro lado isto não elimina a importância da aprendizagem. Mas como a aprendizagem é autodeterminada, as condições que a desencadeiam nos organismos é que deveriam ser objeto de profundo interesse tanto de quem ‘ensina’ quanto de gerentes e tutores de modo geral. A responsabilidade passa a ser mais seriamente na ‘compreensão’ das particularidades dos organismos e não nas tecnologias disponíveis. A concepção do ser vivo como individualidade (e não dependente do meio) confere legitimidade ao ser em si, cada sistema é único em si, cada qual opera sua autonomia, sua auto-organização e sua estratégia unicamente em função de si.

Os organismos autopoiéticos convivem, contudo, com graus de desordem decorrentes da assimilação dos ‘ruídos’ externos e isto os faz evoluir. Misteriosas são as particularidades das decisões de cada organismo em relação ao ‘que quer’ registrar como necessário para sua desorganização e evolução.

Aprender é conhecer e conhecer é aprender, sempre decisões de dentro para fora. Mas não conseguimos ‘instruir’ um organismo em relação ‘a quais ruídos assimilar’. Carl Rogers, independente dos conceitos de Maturana, há muito afirmava ‘ninguém ensina ninguém’. Mas existe aprendizagem pois os organismos continuam sua marcha na direção da autocriação.

As perspectivas do desenvolvimento parecem colocar mais e mais responsabilidades nas relações com base na compreensão e empatia, e na habilidade de organizar ambientes que consigam despertar interesse por aprendizagem. Organizações ‘perenes’, que há décadas sobrevivem, como descrevem Collins e Porras, não são determinadas por seus ambientes e, sim, suas organizações são decorrentes de suas identidades que, contudo, precisam se atualizar para não perder a congruência com o ambiente. O que há em comum entre essas organizações é exatamente a falta de uma ‘visão’, uma clara idéia de futuro.

O alvo principal destas empresas nunca foi, por exemplo, a ‘conquista de um mercado’, mas a construção de um sentido para a organização – de sua identidade, expressa em princípios e não em objetivos. Assim como as empresas, os indivíduos criam um ambiente para suas ações e não se pode descrever um ambiente sem interagir com eles.

As condições da aprendizagem e a necessidade do indivíduo já estão nele contidos (tal como nas organizações). Dentro de sistemas auto-organizáveis, a cognição é sempre um ato criativo, de construção da realidade, pois não toma o mundo como previamente dado. Assim, a ‘instrução’ externa não tem significado em si para organismos autopoiéticos. As ‘instruções’ são internas. O ato de dar um livro para alguém diz muito pouco a respeito do conhecimento que essa pessoa irá adquirir. Ao ler o livro, a pessoa primeiro terá de ser capaz de distinguir o livro da mesa onde está apoiado, depois distinguir a tinta (letras) do papel, depois distinguir o conteúdo do livro (a respeito do que é o livro), depois se o conteúdo é ‘bom’ ou ‘ruim’, se é aplicável ou não, e assim por diante. Todas estas distinções são feitas de acordo com normas próprias, pessoais, ainda que tidas como legítimas por uma comunidade. Ainda mais, sendo o ser vivo estruturalmente determinado, o que vem de fora apenas desencadeia o processo de percepção, mas este é efetivado por correlações internas do ‘observador’ (organismo). Enquanto aprender é, de alguma forma, assimilar o externo, esta assimilação é uma conformidade do organismo com os estímulos, e nunca uma imposição do meio sobre o organismo.

Maturana considera: ‘Quando, na vida cotidiana comum, respondemos a nós mesmos ou a alguém uma pergunta que nos exige uma explicação de uma experiência (situação ou fenômeno) particular, sempre a respondemos propondo uma reformulação daquela experiência … Se a reformulação proposta é aceita como tal pela pessoa que fez a pergunta, ela se torna literalmente uma explicação, e tanto a pergunta quanto o desejo de formulá-la desaparecem. A explicação torna-se uma experiência que pode ser usada para outras explicações. Esta aceitação, por parte do ouvinte, é uma aprendizagem, e é uma decisão interna do organismo, na medida em que acomoda ou não a explicação.’

Se as condições da aprendizagem ‘estão lá’, no organismo, então o desafio está na habilidade para interagir com os organismos, compreendê-los, nas particularidades, nas necessidades, e em adequar condições ambientais. O ‘coaching’ aproxima-se desta idéia, na medida em que através da interação busca-se elevar a aprendizagem de um organismo para que este gere melhor desempenho. Mas é necessário compreender e não instruir. A mesma reflexão se dá para sistemas de ensino e aprendizagem. Muitas organizações investem em universidades corporativas, mas repetem o mesmo dilema cartesiano da cisão entre instrutor e aprendiz. As organizações precisam rever, em muito, critérios de geração de aprendizagem e de compreensão auto-organizativa das pessoas. A crença nas tecnologias de informação e sistemas de ensino à distância pouco poder tem em gerar o tipo de aprendizagem desejada. Parte desta arte do ensinar e aprender tem a ver com as condições de empatia nas interações, de modo a que os organismos reconheçam similaridades e possibilidades de aprendizagens distintivas.

Bibliografia

1 Feuerstein, Reuven; Instrumental Enrichment. Heinemann; UK; 1980.
2 Kolb, DA; Experiential Learning; Prentice Hall; USA; 1984.
3 Ler em ‘A gestão estratégica do capital intelectual’
4 Autopoiesis (do grego poien: fazer, gerar).
5 Demo, Pedro; Complexidade e Aprendizagem; Ed. Atlas; 2002
6 Maturana, Humberto; Cognição, ciência e vida cotidiana; Editora UFMG; 2001.
7 Mingers, J; Self-production systems; Plenum Books; USA; 1995 – para quem quer aprofundar as questões neurológicas desenvolvidas por Maturana e Varela.
8 Gestão da mudança; Bauer, R; Editora Atlas; 1998.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Análise de Potencial e Competências

Há mais de 15 anos estamos trabalhando com sistemas de Análise de Potencial. Ao longo deste tempo, temos observado não só diferentes procedimentos difundidos no mercado como também um uso essencialmente empírico do conceito de Potencial. Paralelamente, vimos coletando um conjunto de perguntas e dúvidas acerca dos temas Potencial e Competências, perguntas que vêm não só de clientes, alunos, como também de colegas e praticantes.

Este artigo pretende responder, sob um determinado ponto de vista, estas questões:

  • O que é Potencial?
  • Potencial é algo fixo?
  • Quais são os objetivos e benefícios de uma Análise de Potencial?
  • Existe diferença entre o conceito de Inteligência e de Potencial?
  • Como se avalia o Potencial?
  • Testes avaliam o Potencial?
  • Existe diferença entre Competência e Potencial?

O que é Potencial?

Se você fizer uma busca bibliográfica sobre o tema ficará surpreso por encontrar nada ou quase nada escrito de maneira consistente. O que encontrará são ainda publicações que giram em torno de traços de personalidade ou estilos (produtor, dominante, intuitivo, conformado, introvertido, pensamento, etc.), produtos das pesquisas em trabalhos clínicos da Psicologia, ou ainda sobre Inteligência (raciocínio, QI, emoções, múltiplas inteligências, etc.), mas não Potencial em organizações.

A definição conceitual aliada à pesquisa ‘on-the-job’, com validação longitudinal das pesquisas e do conceito, continuidade e atualidade da prática fundamentada por técnicas, além da inserção e teste no ambiente organizacional só aparecem nos trabalhos do Dr. Elliott Jaques (Brunel University e Tavistock Institute – Londres). Para Jaques e seguidores, a Análise de Potencial deve responder a três perguntas mínimas: quem (quais e quantas pessoas), em que (atuando em qual nível de complexidade) e quando (com que idade ou daqui a quanto tempo). Sem estas três respostas, não se está falando de Análise de Potencial!

Jaques define Potencial através do conceito Capability. Capacidade é aquela qualidade que define o escopo – não o conteúdo – do trabalho que uma pessoa pode executar. Enquanto que conteúdo pode se referir aos conhecimentos e habilidades específicas que uma pessoa precisa ter, o escopo tem a ver com o nível de complexidade do trabalho a ser feito, e que irá requerer uma determinada Capacidade. Potencial tem a ver, então, com lidar com a complexidade. Jaques integra o entendimento de Níveis de Complexidade do Trabalho – WORK LEVELS – como o tipo de capacidade necessária para levar adiante tal trabalho.

O Potencial é algo fixo?

Jaques estudou o Potencial humano em organizações ao longo de pesquisas de mais de 20 anos, e ainda continua a pesquisar. Diferente de algumas hipóteses que afirmam que nossa capacidade cresce, estabiliza e declina (vide algumas definições de inteligência e teorias do desenvolvimento), para Jaques nossa Capacidade se desdobra e desenvolve-se ao longo do tempo, através de diferentes padrões ou curvas de amadurecimento. As diferenças aparecem entre as pessoas (independente de sexo e raça). Nem todos temos a mesma capacidade, e nos diferenciamos por crescer através de diferentes padrões. Por um lado, não falamos de Potencial como algo fixo. De outro, dizemos que a Capacidade difere de pessoa para pessoa. Nem todos temos capacidade para ser o primeiro executivo de uma companhia! Contudo, nossa capacidade potencial será sempre maior ao longo do tempo, independente de escolaridade, treinamento ou MBA. A vida é suficientemente estimulante para que um organismo encontre desafios para realizar sua capacidade.

O sistema Work Levels assume três estados com relação a Análise de Potencial

a) Capacidade Potencial Atual: nível máximo de complexidade que uma pessoa pode assumir na fase atual de seu desenvolvimento;

b) Capacidade Atual Aplicada: nível de performance atual de uma pessoa, influenciado pela possibilidade de usar ou não toda a sua capacidade atual, pelos seus conhecimentos hábeis ou competências e pelo quanto valoriza o que está fazendo. Esta capacidade pode ser igual ou menor que a Capacidade Potencial Atual;

c) Capacidade Potencial Futura: o nível máximo de complexidade que uma pessoa poderá vir a atuar.

Quais os objetivos de uma Análise de Potencial (AP)?

Para as Organizações

a) Alinhar estrutura e pessoas. Quando integramos níveis de complexidade do trabalho com capacidade, estamos falando de um modelo orientado para a alavancagem da performance de uma Organização. Neste sentido a AP deve ser um sistema capaz de falar de estrutura organizacional, de estratégia, de alinhamento de pessoas e suas competências e capacidades. A Análise de Potencial, nesta linha, não é um sistema de análise de perfil, tipo seleção de pessoal e, sim, um sistema que permite que a Organização discuta como se organiza, como discute seus níveis de trabalho, como alinha logicamente os diferentes desafios de uma Organização com as capacidades das pessoas, buscando complementariedade cognitiva entre os diferentes níveis de complexidade de trabalho. Só então estaremos falando de um pleno uso da inteligência coletiva.

b) Talent Pool. Configuração de um mapa que permita a organização ‘enxergar’ o potencial humano e os padrões de crescimento das capacidades ao longo do tempo. Isto permite que a empresa possa atuar de maneira planejada com seus recursos humanos: desde seleção planejada – de trainees a executivos – sucessão, reversão de padrões de desempenho, descoberta de talentos para funções de inovação, carreiras internacionais, entre outros.

Talent Pool Visão Global

Para os Indivíduos

a) Alinhamento entre capacidade e complexidade do trabalho. Uma das maiores fontes de stress é o desalinhamento entre capacidade e desafio do trabalho. Normalmente, decisões de qualidade são tomadas quando estes dois componentes estão alinhados. Quando as pessoas estão ‘fora de fluxo’ (capacidade e complexidade não integrados), existem perdas para a empresa – decisões impróprias, desperdícios, adiamentos – como também para a pessoa – ansiedade, frustração ou apatia e somatização.

b) Condução da própria carreira:O autoconhecimento é ainda um dos melhores remédios para a felicidade pessoal. Conhecer o próprio potencial é um benefício. Entender o desdobramento do potencial ao longo do tempo nos permite antecipar fases de transição. Ao longo do tempo nossa capacidade se desdobra e transita de um nível para outro de complexidade. Cada mudança no nível de complexidade faz com que nossa visão de mundo se modifique, se transforme, e busquemos outros desafios. E precisamos estar preparados para as transições, refletindo sobre nossos valores e possibilidades. Aqui a AP toma um caráter essencialmente educativo. Saber reconhecer os próprios limites é sabedoria. O discurso – enganoso – de que todos temos que ser empreendedores, falar 4 ou 5 idiomas, ser um ‘Leonardo da Vinci’, parece-nos que traz mais ilusão, do que auxilia as pessoas com relação a suas carreiras. Nem todos temos esta capacidade. Mas todos temos uma capacidade, singular, que podemos conhecer e utilizar. Em vez de se dar falsas mensagens sobre um perfil genérico, idealizado, ilusório, deveríamos investir em como saber aproveitar o potencial das pessoas, que elas de fato têm! Isto sim é desafiador. O contrário, parece-nos, é vender ilusão!

Existe diferença entre Inteligência e Potencial?

Sim. Normalmente as avaliações de inteligência tratam da capacidade como algo fixo, estático. No conceito que utilizamos, Potencial é algo que se desdobra. Além do mais, inteligência normalmente é definida como a capacidade de resolver problemas. Contudo, os testes que avaliam a Inteligência são altamente influenciados por habilidades lógicas, e aplicados em condições altamente estáveis e controladas: pessoa trabalhando sozinha, conjunto de informações disponíveis, alternativas de solução, e a pessoa não está envolvida com cogitar, tomar e produzir decisões. As pesquisas (vide bibliografia), demonstram que não há qualquer correlação entre sucesso na vida prática e inteligência.

Como se avalia o Potencial?

Dentro do conceito de capacidade, o Potencial é avaliado através de instrumentos específicos, desenvolvidos pelo BIOSS – Londres, e pelo próprio Jaques, quando define os tipos de processamento mental – declarativo, cumulativo, serial e paralelo, e os diferentes níveis de qualidade da informação – numérico – verbal e conceitual. O BIOSS trabalha com o IRIS – Initial Recruitment Interview Schedule, uma entrevista estruturada, quantificável, cujo output é o nível da capacidade atual e a tendência de crescimento para os próximos 15 anos. Este processo é utilizado, principalmente, para início de carreira – busca de talentos. Um segundo processo é o CPA (Career Path Apreciation) com o mesmo objetivo, conduzido com profissionais seniores e executivos. Para se avaliar o Potencial é necessário um processo que permita compreender a atitude mental das pessoas para com o trabalho – seu escopo. Isto requer interação.

Testes avaliam o Potencial?

Dentro da definição que propusemos, não! Pesquisas conduzidas tanto pela equipe de McClelland como de Jaques, mostram muito pouca correlação entre os testes tradicionais e a capacidade na vida prática. Isto por razões relativamente óbvias: os testes são todos estruturados, oferecem alternativas definidas, têm tempo definido. A vida não é assim. As situações da vida aparecem de maneira imprevisível, sem respostas definidas. Muitas das principais decisões de um executivo acontecem em ambiente de incerteza e sua capacidade de antecipar e captar o implícito define a qualidade de suas decisões, muitas das quais só serão verificadas em horizontes de 5 a 10 anos.

Igualmente, testes do tipo 16 PF, MBTI, PPA, PI e semelhantes, em nada medem capacidade ou potencial. Falam de estilos de personalidade, mas não respondem a questões básicas – com quem, em que e quando – e muito menos diferenciam as pessoas. Estilos analíticos, pensamento, sentimento, podem estar presentes em qualquer nível de complexidade de trabalho. Tanto uma função simples como a de um alto executivo pode comportar um tipo intuitivo ou sensação atuando! Igualmente com os tipos dominantes ou outros fatores quaisquer. Você pode ser intuitivo, com uma capacidade ‘X’, e também ser intuitivo com uma capacidade ‘Y’. Não existem correlações entre estilo de personalidade e capacidade ou potencial! Na nossa prática, o que normalmente fazemos é identificar quais traços de personalidade seriam ‘negativos’ para a inclusão de uma determinada pessoa num sistema. Os traços positivos devem fazer parte da grande diversidade dos estilos dos indivíduos. Avaliá-los pode ser de pouca relevância.

Existe diferença entre Competência e Potencial?

Se Potencial tem a ver com o escopo do trabalho a ser conduzido, Competência tem a ver com a habilidade em fazer tal trabalho acontecer na prática. Ambos são necessários se quisermos falar de performance ou desempenho. Mas Potencial é condição necessária. O Potencial dá os limites. As Competências garantem a performance dentro deles. Exemplo. Você pode dizer que uma pessoa tem boa competência analítica. Isto não garante que ela consiga lidar com problemas que exijam enfrentar incertezas, já que as informações são pouco claras, as possibilidades de decisão são múltiplas, e este ambiente de ambigüidade irá requerer outros componentes da capacidade que não a análise. É necessária a capacidade de apreender este mundo incerto e intuí-lo, articulá-lo e transformar esta apreensão em estratégias e ações. Do mesmo modo, liderança. Podemos exercer a liderança em diferentes níveis de complexidade num sistema. Contudo, liderar diretamente uma equipe em linha de produção é diferente de liderar um grupo de executivos que precisam de visão e direção estratégica. Produzir esta visão e direção é muito mais do que liderar um grupo em ambientes controlados, como um escritório, e é muito mais do que liderar apenas.

Conclusões

A Análise de Potencial, em nossa prática, busca uma intervenção no sistema humano: alinhar estrutura organizacional, estratégia, valores e capacidade. Há muito a Análise de Potencial deixou de ser uma atividade do tipo seleção de pessoal. A possibilidade de se compreender natureza humana e trabalho, tal qual propõe a teoria Work Levels, está alinhada com o que se compreende , hoje, como a terceira onda da administração – a corrente européia ou cognitiva. A Análise de Potencial é uma possibilidade de alavancar a performance do negócio, muito além dos perfis de cargo até então praticados.

Para ler mais:

  • Jaques, Elliott (1992) – Requisite Organization – Cason & Hall / USA
  • Jaques, Elliott (1994) – Human Capability – Cason & Hall / USA
  • Spencer, L e S (1993) – Competence at Work – Wiley & Sons / USA
  • Sternberg, R (1997) – Intelligence, Heredity & Environment – Cambridge Press / USA
  • Sternberg, R (1994) – Personality and Intelligence – Cambridge Press
  • Sternberg, R – (1984) – Beyond the IQ – Cambridge Press / USA.

Nota: Artigo originalmente publicado no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Sem categoria

A gestão centrada em valores

O tema valores tem conquistado maior espaço nas ciências sociais, no marketing, nas relações humanas e gerenciais. E irá canalizar ainda mais atenção se considerarmos a relação entre ‘valores’ e ‘tempo’.

De acordo com Schwartz (1992), o sistema de valores possui cinco destaques para defini-lo:

  1. os conceitos ou crenças;
  2. os comportamentos desejáveis;
  3. os que transcendem situações específicas;
  4. os que orientam a seleção ou avaliação dos comportamentos ou eventos e
  5. os que são hierarquizados por sua importância relativa.

Inúmeros estudos sobre o tempo, em diferentes culturas, apresentam padrões comuns e tendem a demonstrar que todos possuem uma orientação temporal para as ações e que estas influenciam as decisões (Bergadaà, 1990).

A combinação entre valores e tempo interessa à gestão. Elliott Jaques trouxe para o centro da Administração a dimensão do tempo, quando afirma que a liderança gerencial tem a ver com a capacidade de estender a visão ao longo do tempo. A liderança acontece pela capacidade de ‘visualizar muito antes’.
O ‘time-span’ com que as pessoas conseguem trabalhar não apenas influencia a perspectiva temporal como também o sucesso de cada etapa de um plano, pela capacidade de antever, prever e ter alternativas antecipadas de ação. Quanto mais longa a orientação temporal de uma pessoa, menos necessária se torna a recompensa imediata. É a condição da liderança em poder adiar a recompensa enquanto constrói caminhos para resultados futuros.

Jaques (1987) também destaca que a população ‘vive’ em diferentes ‘time-spans’. A grande maioria, cerca de 80%, focando horizontes entre um mês e um ano. Uma pequena parte entre um e dois anos e outra ainda menor entre dois e cinco anos. Somente uma quantidade ínfima de pessoas consegue visualizar horizontes acima de dez anos.

Gestão e valores

As competências têm sido uma ferramenta norteadora da gestão. Contudo, em geral, distorcidas por vários motivos: uso indiscriminado, escassez de consistência e persistência, despreparo da gerência, desconhecimento por parte dos demais, definições genéricas ou traduções literais, e transposição de uma empresa para outra, entre outros.

A gestão por competências não se tornará um paradigma administrativo no médio prazo. Já focar valores é consistente, pois os conflitos inerentes a eles são imediatamente perceptíveis (ainda que não o queiramos admitir). Não falamos dos valores “traduzidos” dos livros dos “gurus”, nem os que se tenta transpor de uma empresa para outra sem qualquer resultado.

Os valores determinam a direção para que se extraia o melhor da capacidade humana, seja para o comando do crime ou o comando de uma corporação. A diferença está nos valores.

A gestão centrada em valores exigirá muito dos gerentes. Ela envolve conhecer profundamente a empresa, as pessoas e a si mesmo. Como os valores envolvem sempre aspectos ‘inconscientes’, a presença do gestor nas microrrelações é fundamental, e a prática da coerência será o divisor de águas.

A gestão centrada em valores pressupõe uma liderança coerente, relações estáveis e de confiança, equilíbrio entre atenção, respeito e coerência nos valores, e um relativo grau de liberdade para a divergência e exploração do pensamento sem receios ou restrições. Finalmente, a construção de vínculos de longo prazo se sustenta bem mais na questão dos valores do que na de competências.

Valores e ‘time-span’

É muito significativo que a maioria das pessoas trabalhe num horizonte de um mês a um ano. Os políticos sabem e exploram muito bem isso. Suas promessas de transformações são sempre fenomenais no curto prazo. Às vésperas das eleições vemos ‘brotar’ obras. Porém, transformações de longo prazo exigem saber adiar recompensas e acreditar (coerência e confiança). Na gestão, porém, a maior parte das ações e da pressão organizacional acontece nos horizontes de curto prazo. Mas a liderança estará construindo padrões para o longo prazo.

A habilidade da gestão em compartilhar valores, em criar ambiente de confiança, em sustentar a coerência, é fundamental para trazer a cooperação e o envolvimento. Mais ainda, o alinhamento dos valores, das crenças, será a base para a geração das competências necessárias e, oportunamente, para descartá-las, se não servirem mais aos valores. O contrário é impossível. Nenhuma competência sobreviverá se incoerente com o sistema de valores.

Referências Bibliográficas

Bergadaà, M.  “The role of Time in the Action of the Consumer”. Journal of Consumer Research, 17, 3, 1990, p. 289-302.

Jaques, Elliott. “The Form of Time.” Cason Hall, USA, 1987.

Schwartz, S.,H. “Universals in the Content and Structure of Values: Theoretical Advances and Empirical Tests in 20 Countries.” Advances in Experimental Social Psychology, Zanna (Ed.), 25, 1992, p.1-65.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Capacidade

A eficácia da Seleção por Competências

A Seleção por Competências vem se mostrando mais eficaz para prever e predizer a alta performance de profissionais. Métodos tradicionais como testes de inteligência, testes projetivos, inventários de autoconhecimento e entrevistas têm sido importantes na composição do processo seletivo, mas não garantem o sucesso do avaliado na vida prática.

Utilizado desde a década de 70 nas organizações, o conceito “competências” tem recebido diversas definições. Segundo estudos de McClelland e Boyatzis, competências são características individuais subjacentes, que estão relacionadas de maneira causal com um critério estabelecido e com um desempenho eficiente ou superior de um trabalho – entrega. (Boyatzis, 1982)

Dois pontos fundamentais dessa definição são o conceito de entrega e de características subjacentes ao comportamento. Por entrega entende-se a geração de resultados eficazes. Por características subjacentes entende-se que, ao avaliar o indivíduo, não se deve investigar apenas comportamentos e resultados, mas os fatores – não diretamente observáveis – que definem o comportamento em uma determinada direção.

A contribuição desses dois fatores ao processo de avaliação é que, ao se considerar a entrega como fator determinante, aumentam-se potencialmente as chances de o indivíduo escolhido trazer resultados práticos; ao se investigarem as características pessoais que determinam o comportamento de alta performance, obtêm-se evidências confiáveis de que a competência estará sempre disponível para ser aplicada em qualquer situação.

A busca de motivadores da ação é peça fundamental do processo de avaliação. Existem várias classes de motivadores, alguns mais facilmente identificáveis, como conhecimentos e habilidades, e há outras características mais profundas do indivíduo, difíceis de serem treinadas, como motivação, autoconceito e valores. O método hoje considerado mais eficiente na identificação de competências é a entrevista por eventos comportamentais, em que a maior ênfase deve ser dada à investigação desses motivadores – o maior desafio do entrevistador.

O avaliador deve investigar esses dois fatores com o objetivo de, ao final do processo, obter uma visão clara acerca dos motivadores que determinam o comportamento e seu conseqüente resultado. Isto é importante. Focar competências implica compreender que o que se quer são resultados, mas não de qualquer maneira. Isto é, as características subjacentes envolvem também os valores das pessoas.

A seleção por competências torna, assim, o processo de avaliação consistente, garantindo que o investimento numa empresa ou profissional especializado, seja pautado em evidências sólidas e sempre alinhado com o conjunto de valores da organização.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Estrutura

Work Levels, sistemas complexos e estrutura militar

O Bioss International publicou um série de vídeos com uma explicação inovadora dos sete níveis de complexidade de trabalho (Work Levels ou Levels of Work). Os vídeos foram gravados com Lorraine Dodd, Diretora de Pesquisa do Centre for Applied Systems Studies na Academia de Defesa do Reino Unido e uma contribuidora altamente respeitada no campo de pesquisa sobre sistemas complexos.

Em suas próprias palavras:

Os Work Levels fornecem uma forma de pensar sobre onde as decisões estão sendo tomadas nas organizações e – ainda mais relevante – porque.

Nos vídeos – que podem ser acessados abaixo -, Lorraine Dodd também traça paralelos entre os Work Levels e a estrutura militar de comando de missões.

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Capacidade, Carreira

Afinal, o que é um talento?

A intensidade na busca de talentos tem ganhado um peso cada vez maior. Ao abordar clientes, encontramos algumas questões ainda pouco esclarecidas sobre o assunto, tais como:

  • O que é um talento?
  • Como defini-lo?
  • Como medi-lo?
  • Como desenvolvê-lo?

Faremos algumas considerações, sem a pretensão de esgotar o assunto.

O que é um talento?

Você está assistindo a um programa de calouros e vê uma performance excepcional. Você está diante de um talento ou já vê uma competência em ação? Se talento, o que mais a pessoa poderá fazer com esse desempenho? Tornar-se um futuro compositor capaz de criar algo na música? Criar uma marca pessoal na música capaz de enriquecer rapidamente? Continuar animando bailes e apresentações?

Tais analogias também cabem ao ambiente organizacional e de trabalho. Vamos, rapidamente, comentar algumas teorias:

A teoria do dom natural

Se falamos em Beethoven, Picasso ou Da Vinci, por exemplo, podemos falar de dons naturais. Mas, estas personalidades, talvez, nunca tivessem interesse em atuar numa empresa. A teoria do dom natural tenta explicar o talento e a liderança, por exemplo. Mas, a liderança não é uma característica inata. Pessoas com efetivo interesse por pessoas podem aprender a liderar. Dons naturais nem sempre são os necessários para o sucesso numa organização. O que uma empresa precisa são de qualidades humanas mais ‘comuns’. Sem dúvida, certos traços são distintivos. Mas uma empresa não precisa daquelas genialidades para resolver seus problemas. É claro, se as tiver, muito melhor.

A teoria da inteligência

Temos capacidades especiais explicadas por nossa habilidade lógica, de abstração etc. As teorias da inteligência sofreram duros reveses no início dos anos 70 e 80. O sucesso na vida prática não está mais associado ao QI, mas a atributos explicáveis por um conjunto de competências cognitivas, experienciais e contextuais.

A teoria da formação acadêmica

Os mesmos estudos da inteligência e os conceitos do Work Levels afirmam que não existe qualquer relação entre sucesso acadêmico e uma vida prática bem sucedida. Elliott Jaques (autor da Teoria dos Sistemas Estratificados) é taxativo ao notar que a capacidade das pessoas para decidir, conduzir planos, não se aprende nos bancos escolares.

A teoria da criatividade

Uma capacidade de insight distintiva que faz com que tenhamos uma percepção nova acerca de algo ou de um problema. A questão da criatividade é rebatida no conceito Work Levels abaixo comentada. Toda pessoa é criativa, pois é uma característica distintiva do ser humano produzir objetivos, enxergar ao longo do tempo, sonhar soluções. A criatividade pode ser bloqueada, reprimida ou mal utilizada, se não conseguirmos alocar pessoas de acordo com suas capacidades, isto é, em Flow. Ser criativo é uma condição humana. A questão é o que fazer para permitir sua manifestação. Mas, em si, não distingue o nível do talento e nem o tamanho de problemas que podem enfrentar.

As teorias dos traços da personalidade e dos tipos psicológicos

Diferentes estudos mostram que não existe relação entre tipos psicológicos ou traços de personalidade e talentos. Não se consegue estabelecer qualquer correlação entre estilos ou traços (extrovertido, introvertido, dominante, agressivo, sociável) e o sucesso em diferentes posições na organização. Eles são úteis para o desenvolvimento do autoconhecimento, para as relações interpessoais e grupais. Mas não explicam em que tamanho de complexidade de trabalho uma pessoa estaria confortável tomando decisões.

A teoria da competência

Os conceitos de McClelland influenciaram o pensar das ciências humanas, quando questionou a relação entre o QI e o sucesso na vida prática. Propôs um modelo de identificação de competências. Este modelo nos auxilia a perceber o talento para o sucesso imediato, performance imediata. Afinal, toda avaliação por competências tem o foco nos comportamentos passados. Contudo, quando falamos de talento precisamos também estimar o comportamento futuro, em que nível poderá desempenhar. Uma das máximas do modelo por competências é que selecionamos por personalidade, experiência, conhecimentos e demitimos pelas competências.

Teoria do crescimento da capacidade e níveis de complexidade no trabalho

Os conceitos de Jaques e Stamp sobre a organização natural do trabalho e o crescimento da capacidade das pessoas foi exaustivamente pesquisado e construído on-the-job, e nos oferece as respostas mais adequadas para a questão que estamos discutindo. Três conceitos merecem destaque:

Primeiro conceito - níveis de complexidade no trabalho.
Organização é um fenômeno auto-organizado, uma expressão natural da necessidade humana de lidar com a complexidade. A intenção estratégia da organização definirá o tamanho das incertezas, complexidades e ambiguidades que ela se propõe - não só enfrentar como também influenciar.

Atualmente nos acostumamos com o mundo “VUCA’. Contudo, o mundo VUCA sempre foi uma realidade. Tanto que o termo foi cunhado e discutido por Elliot Jaques e Gilliam Stamp anos atrás[1], como algo natural a ser enfrentado por qualquer organização. Isto é, no mundo dos negócios sempre estaremos nos confrontando com ambiguidades, incertezas, volatilidades e, claro, complexidades.
Na busca de sobrevivência e crescimento, as organizações podem se estruturar por padrões de trabalho mais e mais complexos e que, consequentemente, exigirão diferentes capacidades para o sucesso do empreendimento. O modelo Work Levels define sete níveis de complexidade. Cada nível exige diferentes talentos para compreender e conduzir o trabalho.

Segundo conceito - trabalho.
O trabalho não é medido pelo esforço ou energia despendidos, nem tem a ver com o output específico, ou a tarefa. Trabalho é a ‘aplicação do conhecimento e o exercício do próprio discernimento e julgamento, de modo a alcançar um objetivo dentro de um tempo de realização definido’. Jaques foca o conceito de trabalho no que a pessoa faz e o diferencia do conceito de tarefa: a quantidade de coisas a serem produzidas. Em última análise, trabalhamos exatamente quando não sabemos o que fazer. Aí sim o trabalho humano se torna distintivo. Isto porque:

  • O trabalho (e sua complexidade e dificuldade) não está em percorrer caminhos conhecidos
  • O trabalho consiste em escolher caminhos ou construir novos caminhos ou, ainda, adaptá-los quando se encontram dificuldades inesperadas
  • Obedecer a regras, normas e regulamentos conhecidos não é trabalho: isto não constitui um problema; mas decidir a melhor maneira de obedecer, ou não, em determinadas circunstâncias pode ser um problema, porque as normas, legislação e valores organizacionais estabelecem limites.

Terceiro conceito - capacidade e seu crescimento.
Após mais de quarenta anos de pesquisa, existem evidências suficientes para afirmar que nossa capacidade para 'enxergar' mais adiante e para construir decisões, cresce ao longo do tempo. É possível compreender a capacidade atual das pessoas e estimar seu crescimento ao longo do tempo, de modo a antever os níveis de complexidade de trabalho futuro de alguém. Isto é fundamental para qualquer atividade planejada de desenvolvimento e sucessão. Afeta o gerenciamento dos talentos, fundamenta o planejamento da sucessão, e evita o ‘princípio de Peter’, de que cada um é promovido até o seu nível de incompetência’, sem dúvida, uma forma indigna de gerenciar pessoas.

Os talentos são diferentes?

Sim. Dentro do modelo Work Levels, encontramos sete níveis de qualidade de talentos, ou capacidade potencial - organizados em três áreas de agregação de valor:

Na Gestão Direta, temos dois níveis:

No Primeiro nível: o talento é exercido na relação direta com o output do trabalho. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três meses.

No Segundo nível: o talento é exercido na busca de solução para problemas complexos que envolvem considerar uma situação. É o nível do trabalho de análise e diagnósticos, ou de projetos corretivos. A capacidade é requerida para considerar e tomar decisões em horizontes de até três meses a 1 ano.

No Terceiro nível: o talento é exercido para modificar sistemas de modo a atender os desejos futuros da organização. É o nível das melhores práticas, da melhoria contínua, do pensamento sistêmico, das inovações incrementais. A capacidade é exigida para considerar e tomar decisões em horizontes de até um a dois anos à frente.

Gestão Organizacional

No Quarto nível: o talento será exercido no desenvolvimento estratégico de formas de garantir a competitividade futura do negócio. Pode envolver criação de novos modelos para a organização, políticas, criação de produtos, formas de se posicionar no mercado. É o nível da inovação de fato. A capacidade é exigida para considerar e tomar decisões em horizontes de dois a cinco anos.

No Quinto nível: o talento é usado para garantir a viabilidade e reputação futura do negócio, considerando um contexto sócio-político-econômico totalmente aberto e como as condições externas afetarão o futuro do empreendimento. É o nível da visão de futuro, onde se delineiam novas estratégias que afetarão o destino da organização. A responsabilidade é por lucros e perdas totais. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até cinco a 10 anos à frente.

Na Gestão Corporativa

O sexto e o sétimo níveis de talentos. Eles serão empregados para a gestão multinacional dos negócios. Possuem um portfólio de negócios operando numa escala global. O talento é necessário para enxergar mudanças e possibilidades no comportamento da sociedade mundial, onde investir ou desinvestir, como considerar valores para as próximas gerações.

Pode-se medir o talento?

Sim. Diversos procedimentos foram estruturados no Bioss International, e pelo próprio Elliott Jaques. Aquilo que definimos como trabalho, isto é, o exercício do julgamento e do discernimento, aquilo que ‘fazemos quando não sabemos o que fazer’, envolve processos que são inerentes a cada organismo, a cada um. Como tal, não podem ser treinados, já que envolvem processos conscientes e inconscientes de cada pessoa.

Jaques é claro neste sentido. ‘Existem duas categorias maiores na atividade humana. Uma é a categoria da atividade proposital, expressada pelo comportamento orientado para um objetivo. A segunda é a categoria do livre fluir do ‘ensonho’, ‘da imaginação’, e que não tem um objetivo imediato – é um processo que foge ao consciente’. Estas duas atividades são essenciais para nossa sanidade mental. Temos metas, colocamos objetivos ao longo do tempo, e isto é determinante para nossa sanidade, para orientação. E, paradoxalmente, os processos pelos quais nossos discernimentos, julgamentos e escolhas são feitos, são inconscientes. O resultado das decisões são as formas observáveis de nossas escolhas.

Para medir a capacidade é necessário compreender na pessoa o que Jaques denomina de ‘complexidade dos processos cognitivos utilizados’, para se ter um indicador de seu nível atual de capacidade (potencial), e assim compreender em que nível de complexidade de trabalho uma pessoa pode utilizar ‘seu talento’.

Há uma grande diferença entre avaliações estáticas e dinâmicas. As estáticas se baseiam em testes tais como questionários, inventários ou mesmo testes de inteligência. Podem ser complicados, mas não complexos, já que não existe a variável incerteza em sua execução. A avaliação da capacidade potencial conforme o modelo Work Levels é uma avaliação dinâmica, isto é, um processo que faz com que as pessoas ‘mergulhem’ para dentro de si mesmas e nos permitam ‘observar’ como elas usam seu julgamento e o que seriam capazes de produzir com isso. A régua para compreender? Sempre o modelo Work Levels, que integra complexidade de trabalho e a capacidade potencial atual.

Afinal, para que você quer um talento?

Referências Bibliográficas

[1] It should be noted here that the term VUCA was coined by Elliott Jaques and Gillian Stamp and is 1 discussed fully in Jacobs T O (2002) Strategic Leadership: the competitive edge. Industrial College of the Armed Forces (ICAF) Publications. For a further discussion of VUCA environment by Lt Gen Sir John Kiszely (having worked closely with Gillian Stamp) see: Kiszely, J. (2008). ‘Coalition Command in Contemporary Operations`, in Williamson M (ed) Democracies in Partnership: 400 Years of Transatlantic Engagement

Nota: Artigo originalmente publicado no antigo site do Instituto Pieron.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

[vc_row][vc_column][vc_column_text css_animation=”top-to-bottom”]Texto original de 01/08/2016

Pieron Reflexões

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Liderança

Realidade ou ficção? Um diálogo sobre gestão do desempenho

– Temos que avaliar o desempenho dos nossos funcionários, mas estamos receosos de que apenas o julgamento dos gerentes possa levar a algumas variações ou inconsistências. O que acha que podemos fazer?

– Vamos pensar em algo, mas temos sim que confiar nos julgamentos dos gerentes. Claro que esses podem, e devem, ser supervisionados por seus próprios gerentes.

– Não sei… você não acha que as avaliações podem ficar um tanto subjetivas?

– Com certeza. Mas qual avaliação não é subjetiva?

– Eu sei… mas se usarmos uma avaliação 360 graus não diluímos um pouco a subjetividade? Afinal, teríamos um número maior de opiniões…

– Quem define as tarefas e assume a responsabilidade pelo trabalho de um funcionário?

– Seu gerente?

– Exatamente! Então quem mais poderia julgá-lo com relação ao seu desempenho?

– Entendo… mas isso não parece simples demais? Não seria melhor termos um modelo por competências? Assim pelo menos teríamos certeza de que todos estão observando os mesmos comportamentos, não?

– E quem definiria quais competências ou comportamentos seriam relevantes?

– Podemos trazer uma consultoria para nos ajudar a ouvir todos na organização e chegar a umas oito ou dez competências principais.

– Para cada posição?

– Não… seria algo transversal, que poderíamos aplicar para todos…

– Não parece fazer sentido. Já teve alguma experiência com isso?

– Na empresa em que trabalhava, as avaliações de desempenho eram baseadas num modelo de 12 competências, todas desdobradas em comportamentos. Talvez sejam muitas, mas era assim que funcionava por lá.

– Sei…

– Bem… investimos bastante para montar o modelo e todos na indústria usavam algo bem parecido com as nossas competências. Até fizemos benchmark!

– Como assim? A empresa e os competidores tinham as mesmas competências?

– Não exatamente… mas eram bem parecidas: entrega de resultados, visão estratégica, relacionamentos e networking, liderança, … algumas variações desses temas.

– Estranho… Pelos menos funcionava?

– Bem… os gerentes reclamavam um pouco, diziam que tomava tempo demais e que havia critérios que não faziam sentido. Observar e pontuar todos aqueles comportamentos realmente não devia ser algo fácil. Na prática, acho que eles distribuíam pontuações para fazer uma conta de chegada nas avaliações.

– Faz sentido, mas parece que voltamos ao ponto inicial: o julgamento dos gerentes sobre o desempenho dos seus subordinados.

– Tem razão. Vamos pensar em algo mais simples?

– Que tal pensarmos em como criar um ambiente organizacional no qual não tenhamos receio de confiar nos julgamentos dos gerentes?

– Ótimo!

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Capacidade, Complexidade

Foi Deming quem disse isso?

Aí vai uma frase que ainda causa problemas:

Não se pode gerenciar o que não se pode medir.

– Deming disse isso, certo?

– Na verdade não. A frase é amplamente atribuída a Deming, mas parece que não foi ele não.

– Mas faz sentido essa frase, né?

– O que acha?

Se pudéssemos gerenciar apenas o que conseguimos medir, estaríamos em sérios apuros (ou, se você é um pessimista, ainda mais em apuros). Gerenciar é utilizar recursos disponíveis, e respeitar limites prescritos, para levar alguma coisa numa determinada direção ou manter tal coisa dentro de parâmetros desejados. Quando temos que gerenciar algo que não podemos medir ou conhecer por completo, quando as informações são ambíguas e incompletas, só nos resta uma alternativa: julgar e decidir. E, aliás, é exatamente para isso que somos pagos.

Quando conhecimentos, experiência e habilidades não são suficientes, a única opção é usar nosso julgamento e seguir em frente. Quanto mais você sobe numa hierarquia de emprego, por exemplo, mais o trabalho envolve julgamento. Isso é verdade porque as decisões nos níveis mais altos têm que ser tomadas com base em informações incompletas, frequentemente inconsistentes e em situações de fronteira, nas quais conhecimentos e experiência fazem pouca diferença. Gillian Stamp ilustra isso com a seguinte provocação: “O que você é capaz de fazer, quando não sabe e não se pode saber o que fazer? ”

Portanto, dizer que “não se pode gerenciar o que não se pode medir” é o equivalente a dizer que seres humanos não deveriam se engajar com a complexidade, limitando-se a atuar em ambientes concretos, onde as decisões podem ser tomadas com base em experiência, conhecimentos técnicos e abundância de dados.

Somos capazes de mais.

E se a frase fosse boa, acho que Deming a teria dito.

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