Carreira e a crise da meia idade

agosto 14, 2016

A frenética busca por cursos e informação deve ser compensada pela reflexão individual a respeito das fases da vida e perspectivas. Esse cenário interior deve dar sentido às buscas externas. No curso do desenvolvimento passamos por fases críticas, as quais têm o caráter de pontos de mudança, ou rápidos períodos de transição. Talvez, a menos familiar seja a crise que tende a ocorrer em torno dos 35/40 anos de idade, a qual Elliott Jaques chamou de crise da meia-idade. Essa crise, na maturidade plena, tende a ocorrer também por volta dos 65 anos. É claro que essas fases, processos, e seu desdobramento e duração variam de pessoa para pessoa. Em torno desta idade, alguns dos sinais podem aparecer em relação à criatividade no trabalho de três maneiras: a carreira criativa parece ter chegado ao fim ou a criatividade parece estar ‘secando’; a capacidade criativa começa a querer se expressar pela primeira vez; ou uma decisiva mudança na qualidade e conteúdo da criatividade pode ter lugar. Os artistas refletem isto com relativa intensidade. Jaques acredita que em torno dos 37 anos muitas crises criativas assolam diferentes talentos. Ele estudou cerca de 310 pintores, compositores, poetas, escritores, escultores, e constatou que esta espécie de ‘morte súbita da criatividade’ explode entre os 37 e 39 anos aproximadamente. Muitos casos até com a morte física das pessoas. Jaques pensa que essas crises estão associadas a pelo menos dois fatores: mudanças no conteúdo do trabalho ou mudanças no ‘modo do trabalho’1.

Mudanças no modo do trabalho

O indivíduo – e falamos agora de qualquer pessoa, não só das geniais – em torno dos 20/30 anos tende a ter uma criatividade mais ‘quente’, intensa, espontânea, e se expressa como ‘pronta’. A produção consciente é rápida, o ritmo da criação também. A criatividade, ao final dos 30 anos e a posterior, é mais esculpida. A inspiração pode ser ‘quente’ e intensa, mas existe um grande passo entre os primeiros sinais de inspiração e o produto criativo final. A inspiração em si pode vir mais lentamente. Mesmo que existam ‘explosões’ de criação, são apenas inícios dos processos de trabalho. Em seguida, começa o processo de modelar e concluir o produto do trabalho, até ser exteriorizado. A elaboração inconsciente tem maior impacto.

Erik Erikson define as ‘oito idades do Homem’ – estágios pelos quais evoluímos e damos significado às nossas vidas. Desde a infância até a pré-adolescência, são quatro. Da adolescência à velhice, mais quatro. Erikson trabalha seus conceitos sempre em dualidades. Cada estágio representando temas e dilemas específicos. Tipicamente na idade do jovem adulto (20 aos 35 anos) e adulto (35 aos 65 aproximadamente), os temas vividos estão em torno de ‘identidade X confusão de papéis, intimidade X isolamento’, ‘generatividade X auto-absorção’. A ligação gerativa tem a ver com a idade adulta. A idade adulta pode ser caracterizada como tendo um senso de urgência muito forte, como na passagem do homem moribundo. Enquanto deitado com os olhos fechados, sua esposa lhe falava os nomes das pessoas que ali estavam para lhe desejar o ‘shalom’. De repente, ele pergunta para sua esposa: ‘quem está cuidando da loja?’ Este é o espírito da vida adulta, ‘manter o mundo’. O tema na vida adulta – ‘generatividade’ X estagnação e auto-absorção – envolve criatividade, produtividade e procriação e, portanto, a geração de novas coisas, como também novos produtos e idéias, incluindo o tipo de auto-criação preocupada com a identidade pessoal. Certo sentido de estagnação pode ser experimentado nessa idade, mesmo para os que são altamente criativos e produtivos. A grande virtude que emerge nessa idade é o ‘cuidar’ – cuidar das pessoas, dos produtos, das idéias que aprendemos a cuidar. O sentimento de estagnação pode trazer oportunidades de revisão de frustrações específicas, seja na vida afetiva ou na criativa. Cuidar opõe-se a rejeitar, isto é, a falta de vontade de incluir pessoas específicas ou grupos em seu território de ‘cuidar’ – não querer cuidar de. Neste estágio, questões como ética, leis, ideologias, crenças e insights são determinantes nas decisões com relação ao que se inclui/exclui. A busca por princípios mais universais são essenciais nesta etapa.

Uma adequada elaboração dos estágios é determinante para nossa saúde. A busca externa por dados, informação, deve ser contrabalançada por uma compreensão das demandas psicobiológicas da vida, de onde virão os significados. A vida adulta, adequadamente equilibrada, nos remeterá para o nosso último estágio – a velhice, na qual os temas são de outra dimensão: sabedoria X desespero, compreender, reconhecer, cuidar de gerações, ou desdenhar. De qualquer modo, a crise da meia-idade deve ser vista como oportunidade de autotransformação. Muita energia criativa e produtividade advêm de uma adequada compreensão dos nossos motivos e significados, e tudo isso sugere uma adequada atenção aos sinais de frustração, inquietude, normais de emergirem em torno e a partir dos 35 anos. Bem-vindo, agora, ou um pouco mais adiante.

Leia mais

Jaques, E. (1990) – Creativity and Work. International Universities Press. USA
Erikson, E. (1982) – The life cycle completed. Norton. USA


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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