O Gap de Complexidade e as Eleições

outubro 14, 2020

O gap de complexidade existe quando nos deparamos com situações que exigem enxergar mais do que de fato conseguimos enxergar. Quando isso acontece, automaticamente reduzimos o problema a um tamanho com que conseguimos lidar.

No mundo empresarial, há (ou deveriam haver) mecanismos para garantir que as pessoas assumam desafios do tamanho certo para suas capacidades. Isso é um dos pilares da meritocracia e uma das condições para que experimentemos flow no trabalho.

Na gestão pública, contudo, isso não é sempre verdade. As posições mais altas na hierarquia governamental são preenchidos pelo voto popular e não por critérios meritocráticos.

Em outras palavras: o vencedor da eleição a um cargo público não será necessariamente o mais capaz, mas sim o que conseguir convencer mais eleitores de que ele o é.

Pois é... a democracia tem seus problemas e isso não é novidade. Sócrates, 2.500 anos antes de nós, acreditava que o voto universal (um dos pilares da democracia) faria com que o populismo se tornasse o critério de escolha dos governantes, substituindo a competência. 

Apesar das críticas, muitas vezes pertinentes, parece claro que as nações ditas democráticas acabaram se saindo melhor do que as não democráticas.

Nas palavras de Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras que foram experimentadas ao longo dos tempos”.

Com as eleições municipais se aproximando aqui no Brasil e as presidenciais, nos EUA, este parece ser o momento ideal para falar do gap de complexidade no contexto político. 

Para começar, podemos olhar para a distribuição da capacidade humana sob a perspectiva dos Work Levels e horizontes de tempo:


Como fica claro pela imagem acima, cerca de 91% da população tem horizontes de tempo de até um ano; e cerca de 51% têm horizontes de tempo de até 3 meses.

Quanto maior o horizonte de tempo de uma pessoa, mais à frente ela consegue pensar, enxergar, planejar e articular suas ações, e com mais variáveis ela consegue lidar quando toma decisões.

Se você é candidato e quer vencer, você precisa se conectar com esses eleitores. São esses 91% que decidem.

Por isso mesmo é muito raro vermos candidatos falando de iniciativas que trarão benefícios ao povo décadas à frente. Essa linha de argumentação garantiria o diálogo sobre as questões que realmente importam… mas também resultaria em derrota nas urnas.

Essa dinâmica faz com que todo o debate eleitoral fique centrado em questões de curto prazo e em temas que possam ser reduzidos a frases de efeito, sem muita margem para nuances.

Afinal, os candidatos mais capazes e habilidosos vão saber reduzir a complexidade da discussão para as variáveis e horizonte de tempo que os permita obter o maior número de votos possível.

Mas o problema vai além do gap de complexidade do eleitor, que o coloca como massa de manobra. Temos também o gap de complexidade dos candidatos frente aos desafios dos seus cargos.

Nos cursos que conduzimos no Pieron, gostamos de fazer a seguinte provocação usando o Modelo Work Levels como referência:

“Em que nível deveria trabalhar o presidente do Brasil?”

As pessoas sempre dizem (corretamente) que os ocupantes de tais cargos deveriam operar no mínimo no WL-5, o que se traduziria em horizontes de tempo de cinco a 10 anos.

A estimativa é coerente, pois um presidente minimamente competente precisa trabalhar mirando pelo menos dois mandatos.

Já um presidente que realmente pensa em deixar um legado duradouro, criando valor para gerações que ainda estão por vir, estaria mirando 20 a 50 anos à frente (algo equivalente ao que chamamos de WL-7).

Olhando para os últimos 20 ou 30 anos sob a perspectiva do gap de complexidade, você diria que tivemos ocupantes que estavam à altura do cargo?

Se a resposta for negativa, isso significa que as pessoas que sentaram nesta cadeira encolheram seu escopo de atuação para aquilo que elas mesmas conseguiam enxergar.

Lembre-se também que esse racional não se aplica exclusivamente ao presidente da república. Temos ainda 27 governadores, 5.570 prefeitos, 81 senadores, 513 deputados federais, 1.059 deputados estaduais e mais de 57.000 vereadores…

O gap de complexidade é coisa séria.
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